10.5.05

Resposta da Mariana ao Desafio I

Um tchelovéque e um prédio com antenas

"E agora?"

Tá frio. Muito frio. E eu tô aqui, assim sozinho. E fodido. Muito fodido. E tudo por causa de uma devótchka inútil.
Eu tô aqui por causa dela e quero sair. Mas não posso. Quero casa, mas a casa tá muito longe daqui. E nada que eu fizer vai fazer com que a casa venha a mim ou com que eu vá a ela. E como a casa não virá a mim e nem eu irei a ela, tô fodido e, se eu conseguir voltar à casa, vou ouvir mais uma daquelas noventa horas de sermão do meu pai. E tudo é culpa daquela vadia...
No que vejo que as estrelas resolveram acordar. Engraçado elas gostarem de ficar acordadas de noite e dormir de dia. Acho que sou igual a elas... O dia não combina com um maltchique preguiçoso e ultraviolento como eu. Ele foi feito pros trabalhadores e honestos. Mas, pela primeira vez em toda a minha desgraça de vida, eu quero que seja dia. Porque se for dia eu vou poder sair daqui...
Aqui não tem teto. Aliás, aqui é um teto, mas é um teto virado ao contrário. É como se eu tivesse em cima dele. E esse teto é alto e cheio de antenas. Sinceramente, não gosto de lugares altos. Mas tô aqui e nada posso fazer pra me livrar desse lugar.
Bem, já falei muito que quero sair daqui. Mas como fui parar aqui? Eu já disse, foi tudo culpa de uma devótchka.
A história foi assim estranha. Essa devótchka é do meu colégio. Eu acho ela muito bonita, muito bonita mesmo, uma pessoa bem linda. E eu queria muito fazer o velho entra-e-sai com ela, mas ela nunca falou nada comigo a respeito. Acho que fingia não saber o que eu queria. E me deixava mais doido de vontade ainda com esse jogo muito do bem jogado!
O fato é que, um dia, aliás nesse dia de hoje, em que eu estou nesse lugar, ela chegou na minha sala, toda maquiada, com uma peruca roxa, e disse que queria falar comigo. Eu, como não sou nem um pouco bobo, fui lá ver o que ela queria. E o que ela queria era vir comigo de tarde num prédio alto do centro da cidade. E ela escolheu o prédio mais alto de todos os prédios altos. Justamente esse lugar no qual seu humilde narrador está e do qual não pode sair!
Então, como ela pediu pra vir comigo nesse prédio no final da tarde de hoje, eu aproveitei. Enquanto andávamos pelas ruas cheias da cidade, eu pensava em imagens de nós dois fazendo o velho entra-e-sai bem rápido e bem selvagem. E pensava com meus botões se ela teria escolhido o prédio como cenário. Tudo indicava que sim... O roxo era uma cor beeeeeeeeem suspeita. Ainda mais com toda aquela maquiagem!
E, depois de subir 30 andares no elevador, eis que chegamos aqui. O lugar era esse lugar alto, e cheio de antenas. E que é grande pros lados também, bem espaçoso. Estávamos sozinhos e eu fui rápido que nem bala de fuzil pra cima dela. Ela aceitou uns chupões no pescoço, mas depois me afastou, dizendo que precisava descer até o banheiro pra se preparar e que eu devia esperar por ela no mesmo lugar. Eram 6 horas da tarde e eu esperei. Esperei. Esperei. E esperei, até perder a noção do tempo, como vocês já devem ter percebido.
Olhei no relógio. Eram 6 e meia e ela não tinha aparecido. Me dirigi até o acesso aos andares de baixo, pensando em resgatá-la do vaso sanitário, afinal ela deve ter se afogado nele. E qual não foi minha surpresa quando percebi que o portão que dava para os elevadores tava trancado!!!!!!
Não, definitivamente não é possível, pensei. Devo dizer que tentei arrombar o portão, mas ele é de puro ferro. Gritei SOCORRO-POR-FAVOR-ALGUÉM-AÍ-EMBAIXO-ME-AJUDA!!!!!!, mas não tinha ninguém pra me escutar. O prédio está completamente apagado desde as 6 e meia, à exceção de um iluminador que tem aqui nesse lugar alto e cheio de antenas. E eu me dei conta de que estava preso e de que tudo era culpa daquela piranha, que me deixou aqui até ser trancado, e que por causa dela eu tô aqui completamente sozinho, no frio, no alto, no escuro e na fome!
É, eu tô com fome. E morro de medo do escuro! Procuro uma luz em volta e só vejo a luz branca e sem-graça do iluminador daqui desse lugar... Tô com saudade de luz, eu quero ver luz!
Sem saída, olho lá pra baixo. É luz o que eu quero agora e é luz que eu vejo! A luz furta-cor, âmbar, amarela e fluorescente de uma metrópole que se prepara para dormir com o nascimento da noite. E não é só uma luz, são zilhões de luzes furta-cor! Algumas até fazem desenhos, como se fossem pontinhos de um lápis luminoso!
O legal é que a luz vermelha dos carros passando à toda lá embaixo parece um rastro de infra-vermelho, pronto pra rasgar quem estiver na frente! A praça central envolta por postes de luz em toda a sua calçada me faz lembrar daqueles espelhos envolvidos por lâmpadas, dos camarins de teatro! E as luzes tortas e desiguais dos prédios residenciais lá longe também me lembram um espelho. Mas esse seria o espelho da noite, com suas estrelas de maravilhosas luzes tortas e desiguais! É isso! A luz das estrelas é a mais bonita e é inimitável, exatamente por ser torta e desigual! Não há desordem mais bonita que a luz das estrelas!
Então, se as luzes dos prédios residenciais me parecem um espelho da luz das estrelas, posso dizer que cada casa de cada pessoa é uma estrela especial e sem luz igual no mundo?... Como será que tá a luz lá em casa? Será que tá igual a de alguma dessas estrelas que sorriem para mim?
Eu gostaria muito de saber, mas não posso sair daqui para ver por causa daquela puta. Mas acho que não seria a mesma luz, até porque quem vê as estrelas de perto vê a luz delas de forma totalmente diferente de quem está vendo daqui de onde estou. O mesmo deve acontecer com as luzes das casas... Então, aproveito um pouco de todo esse delírio e tiro meu chapéu-coco pra descansar, rezando a Deus para que faça nascer a luz suprema do Sol, que me levará pra casa.

5 Comentários:

Anonymous Anônimo disse:

Concordo; a mulher era uma piranha mesmo. Adorei seu texto! Vou fazer propaganda dele pelo meu blog, ok?

5/11/2005 10:22 AM  
Blogger Aline Brandão disse:

O texto todo tem um tom bem jovial... não só pela menção a colégios e que tais, mas pelo ritmo explicadinho - o que também dá à tua crônica (vamos seguir a explicação da Laura :D) uma oralidade maior.

De todas, achei tua resposta a mais "pra cima"... ah, adoro a viagem que ele faz relacionando as estrelas e as luzes das casas! Achei extremamente poético e muito bem sacado. ^^

5/12/2005 11:01 PM  
Blogger Paty disse:

Que vaca a mulher de cabelo roxo! Cheguei a pensar que ela tivesse morrido de overdose no banheiro, mas tenho certeza que foi sacanagem mesmo! :D

Gosto muito da oralidade, da narrativa que flui fácil, me fazendo pensar o tempo todo "no que isso vai dar?".

Também adorei a forma como o Alex muda ao longo do texto: do começo furioso e seguro de si ao final onde mostra ser uma criança medrosa, no fim das contas.

E seu lado Delírio aparece com tudo nas divagações do rapaz, gerando imagens surrealmente lindas como a do "teto virado ao contrário", e as luzes tortas que parecem estrelas. Sensacional mesmo!

5/14/2005 1:59 AM  
Blogger MôNiCa disse:

O q eu mais me amarro nos seus textos é que eles são tão loucos e psicodélicos como vc! E, justamente por isso, amáveis!!!! Lindos msm! E ninguém merece aquela mulher! A única coisa que ela fez de bom foi ter deixado o menino lá em cima (pq senão não teríamos o seu txt!)
Bjs!

5/14/2005 6:49 PM  
Blogger L. disse:

Ah, sabe?
Ficou uma coisa, teu texto!
Adoro essa oralidade toda, que cria uma proximidade ainda maior. E ficou linda a mudança gradual no tom do rapaz - vai perfeita do começo ao fim, passando direitinho a idéia de tudo que vai na cabeça do moço.

Como diria você, tá horrorshow! XD

5/14/2005 10:31 PM  

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