14.5.05

Resposta da Mônica ao Desafio I

Mar de estrelas sobre sua cabeça. Mar de luzes sob seus pés. O colorido da cidade lá embaixo, para ele, só escondia sua decadência. Olhou de soslaio para a garrafa de uísque ao seu lado. Não tinha o costume de beber. Abriu a garrafa e deu o primeiro gole, que desceu como se tivesse engolido um pedaço de carvão em brasa. Era disso que precisava.

Gostava de sentar ali. Estava perto dos céus e acima dos homens. Seus pés balançavam, os cadarços desamarrados balançando o vento. Lá embaixo, completa agitação. Aqui, liberdade. Se sentiu leve, enfim.

Pensou nela, e o próximo gole foi inevitável. Brasa novamente. Ela o dominou desde o início. Não conseguia se sentir livre perto dela; ela prendia ao primeiro olhar. Outro gole. Pensou não beijos, e em como tremia ao menor toque de sua pele. Em como suas mãos deslizavam pelo corpo dela, e em como seu cabelo, liso, escorria pelos seus dedos. Ela o fascinava e o pertencia. Sim, ela era dele e ele era dela. E ele era feliz assim.

Outro gole, dessa vez mais prolongado. Mas esse não desceu queimando, desceu com um gosato mais leve. Bebeu mais. Nunca tinha bebido tanto... e sentiu mais que o gosto do uísque. Sentiu o gosto da vitória.

Voltou a pensar nela. Dessa vez, não em como ela o possuía. Mas em como ela o enganou. Em como ela mentiu e em como pode ser tão cruel. Ela sabia que ele era seu. Então por que o desprezou daquela maneira? O uísque, dessa vez correu pela sua garganta livremente, assim como as lágrimas começavam a coer pelo seu rosto. Mas não eram de arrependimento, muito menos de remorso. Eram lágrimas de raiva.

Raiva... Era isso que sentia por ela desde o momento em que a viu com aquele homem. Percebeu que os cabelos dela escorriam dos dedos de outro, e que o corpo dela também era tocado por outro. As lágrimas se uniram a soluços, e, estes, a mais bebida e mais lágrimas.

E pensou ainda mais; mas dessa vez na decisão tomada uma hora atrás. Ela com aquele homem... ele não podia continuar remoendo isso. Invadiu o apartamento dela, disposto a conversar. Da sala, observou seus contornos na cama. E ela estava com outro.

Não queria mais pensar nisso. Bebeu para esquecer, mas não conseguia. As imagens vinham o tempo todo em sua cabeça, escondendo as estrelas. Só conseguia ver aquela faca de cozinha que surgiu como a solução à sua frente. Queria esquecer. Bebida. Lágrimas. Suas mãos em volta do pescoço dela, e o olhar dela, que tanto o fascinava, se apagando. Mais bebida. O elevador para o último andar e finalmente as estrelas e as luzes. O inferno estava alguns andares abaixo, o paraíso era aqui. No topo de um prédio residencial de trinta e tantos andares.

Tomou o último gole da garrafa e jogou-a lá de cima. Olhou para suas mãos, ainda sujas. E chorou. Mas não eram lágrimas de arrependimento, muito menos de remorso. Eram lágrimas de raiva.

5 Comentários:

Blogger Mariana disse:

Mônica, até agora me pergunto como uma pessoa fofa e alegre como vc consegue incorporar com tanta fúria esse corno raivoso! Magistral construção do personagem! Tá foda, perfeito!!!!!!!!

E tá bem cinematográfico, tb! O ritmo um tanto lento do "tô-aqui-bebendo-pra-esquecer" explodindo numa alucinada cena de traição e assassinato me fez ver claramente todo o tormento desse cara! Simplesmente excelente (a rima foi acidental! XD)

Bjos bjos bjos!

5/14/2005 10:33 PM  
Anonymous Anônimo disse:

Tem certeza que eram lágrimas de raiva? Sentimentos oscilam com tanta facilidade que podemos ir dos sorrisos ao choro sem nem percebermos, mas não creio que as lágrimas do homem fossem de raiva. É algo mais parecido coma angústia. Desespero.
Gostei do seu estilo de narrativa; cinematográfico, como minha maninha Del bem descreveu. Parece um roteiro de Orson Welles!!!

5/15/2005 9:46 AM  
Blogger L. disse:

Ah, é um escrito fofo da Mônica...

[Alguns minutos depois...]

Meu Deus! Esse foi um escrito da Mônica??

É, você viu a nossa surpresa quando a explosão veio. E vem você, a moça dos textos mais doces, dar um susto desse na gente!
Ficou uma coisa, mulher! A princípio, eu podia jurar que a intenção dele era se jogar lá de cima, não suportando mais a dor do amor. Nisso, veio o gosto da vitória, e tudo começou a ficar suspeito.

Fantástico, mulher!

5/17/2005 9:57 PM  
Blogger Paty disse:

Esse me surpreendeu por completo! Começa como uma dor-de-cotovelo e eu também pensei que seguiria o estilo melancólico-fofo de praxe. Jurava que o sujeito estava chorando as dores de amor, que tinha dado um pé-na-bunda na mulher. Até ser vertiginosamente levada pela narrativa e cair o queixo com o final que me atingiu como um soco no estômago. Adoro como o texto vai ficando raivoso até o ápice no desfecho. Simplesmente arrebatador!

5/20/2005 11:35 PM  
Blogger MôNiCa disse:

Olá pessoal!
Mto obrigada, vcs são simplesmente fofas!
Amo vcs!
Bjs

5/21/2005 6:33 PM  

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