22.6.05

Resposta da Priscila ao Desafio V

É por isso que eu não suporto o capitalismo. Esses marajás engravatados acham que, só porque mandam em meia dúzia de pessoas, conseguem também controlar as necessidades de uma população inteira. Só que como a maioria dos homens são tão potencialmente imbecis quanto um vira-lata correndo atrás do próprio rabo, devo concordar que, para meu desgosto, eles de fato conseguem. Será possível que nenhum desses casaizinhos alienados percebe que esse negócio de Dia dos Namorados é a data mais oportunista de todas? Isso mesmo, é mais oportunista até que o Natal e o Dia das Mães, pela sua posição estratégica: junho, o período em que os sofridos costumam estar mais sem grana, penando pela eqüidistância entre os décimos-terceiros salários. E os comerciantes não perdoam: metem a mão sem dó.

Pronto. Me revoltei com os namorados. Aliás, me revoltei com o sistema, que massacra os solteirões desabrigados, nessa época do ano. Aposto que todos os sem-namorado devem se sentir tão mal quanto eu, sob um bombardeio impiedoso de lojas decoradas com coraçõezinhos fofos, outdoors e promoções luxuriosas. O que esses mercenários querem é, numa ameaçadora conspiração oculta, pôr a todo custo na cabeça das pessoas que os solteiros são os párias deste fascismo anacrônico, e que precisam a todo custo arrumar alguém – nem que este alguém seja um retalho maquiado que você conheça dia 11, ganhe o presente dia 12 e brigue dia 13: o importante é alimentar a roda viva do lucro.

Indo além, ouso dizer que essa conspiração ardilosa age de maneira bastante sutil – e talvez por isso ainda mais perigosa – no restante do ano, atuando diretamente no inconsciente coletivo. Por que chegar aos 30 sem se casar é motivo de segregação social? Por que, se eu ganhar um convite para um casamento e levar como acompanhante uma amiga, vão pensar que eu sou lésbica? Por que noventa e nove por cento das músicas são de fundo romântico? Por que finais felizes são só aqueles em que os casais se juntam no final? Cada dia que passa só faz crescer a certeza de que ficar pra titia é meu destino. Isso não deveria significar uma derrota, mas não deixará de ser, aos olhos dos outros - principalmente daquelas mãezonas rechonchudas, que já estão parindo o oitavo filho.

Não agüento isso. Vou fugir, pelo menos por enquanto. Quero escapar de tantas convenções artificiais e respirar aliviada, olhando tudo do alto. Para isso, preciso de uma trilha sonora. Mas faço questão que essa trilha se encaixe naquele conjunto dos um por cento que foge à regra do romantismo. Isso é fácil, imediato: quer banda mais picolé de chuchu do que os Beatles? Quando o assunto é inércia sexual, eles são a primeira imagem que me vem em mente. E nem adianta argumentar que os caras escrevem canções românticas; essa melosidade sem sal não serve sequer para começar a pensar em alguma aventura. Eles, pra mim, parecem criancinhas querendo aprender sobre o lado cruel da vida. Felipe Dylon faz isso melhor.

Que seja. Adoro psicodelismo atrelado a versos nonsense, numa música. Vou fazer questão de não me fazer entender, de parecer idiota aos olhos dos outros, mas plenamente livre: uma dadaísta pós-moderna. E o hino desta fuga contida só poderá ser uma das letras mais turísticas dos Beatles: Magical Mystery Tour, claro! Nada de hug, kiss, love, heart, nem qualquer outra repetição exaustiva que já tenha resvalado para o lugar-comum. Meu negócio é roll up, reservation, invitation, take you away, take you away! Fuga, felicidade, catarse. Liberdade. É só isso que eu quero. Pelo menos até julho.

3 Comentários:

Blogger Paty disse:

Outro texto inusitado da Priscila. O tom de manifesto do início virando um surpreendente desabafo escapista-psicodélico. Destaque pra "eqüidistância entre os décimos-terceiros". E concordo plenamente com a percepção do preconceito contra quem está sozinha.

Além disso. simplesmente hilária a forma como a personagem esculacha os Beatles. A entrada repentina da música acaba sendo consistente com o estado de espírito da protagonista. Aliás, o fluxo de pensamento está muito bem elaborado, com aquele jeito sinuoso de conexão entre as idéias. E a última frase mostra que a moça é um tanto volúvel, dando um novo significado ao texto. Provavelmente essa revolta dela vai passar na semana seguinte, quando encontrar "aquele" gato! :)

6/25/2005 3:01 AM  
Blogger Mariana disse:

Priscila,

Me impressiona teu sarcasmo, assim como me impressiona tua capacidade de transformar coisas desesperadoras e tristes como a solidão em coisas leves e engraçadas. Quisera eu ser assim, enxergar o lado engraçado das situações adversas e ainda cuspir na cara delas. Isso é mto foda!

E adorei a referência explícita è música só no final, bem como o protesto contra nossa sociedade provinciana, q acha q as mulheres só são algo qdo estão c/um homem.

Parabéns, fada!

6/25/2005 9:38 PM  
Anonymous Anônimo disse:

(Priscila, posta logo teu desafio, ow!)

7/12/2005 2:48 PM  

Postar um comentário

<< Home