31.5.05

Respostas da Mariana ao Desafio IV

Resposta A

Inclinada para trás

Batom dourado, rímel preto e lápis azul. Pó facial, esmalte cintilante, laquê e presilha metálica de motivos florais pra adornar os cabelos. Por fim, uns puxões de pinça pra acertar sua grossa sobrancelha. É assim, elegante como uma Ana Maria Braga, que ela se arruma quando quer se sentir bonita e poderosa.

Aline? Liliane? Maria Laura? Mônica? Patrícia? Priscila?? Nah! Quem se importa com o nome de tão desimportante criatura? Não! Definitivamente, ela não é gente pra brilhar. Então, é melhor que fique sem qualquer nome que a dê identidade, se é que ela tem alguma. Provavelmente não...Ela é apenas mais um rosto comum entre tantos; e lhe dar um nome complicaria demais as coisas.

E exatamente como muitos dos inúmeros seres sem nome dispersos no grande redemoinho chamado massa, ela aprecia muito a enriquecedora literatura das revistas de fofocas sobre quem tá pegando quem no mundo das celebridades. Também se instrui com edificantes lições de culinária legadas em programas matutinos no melhor estilo note-anote; além de adquirir sólidos conhecimentos científicos assistindo à aplicação em tempo real das teorias freudianas no Big Brother. E ainda, como não poderia deixar de ser, viaja pelos elaboradíssimos cenários, roteiros, tramas e dramas das novelas, em especial aquela que passas às 8, cuja engenhosa história gira em torno do inusitado conflito entre uma família rica e trabalhadores inocentemente pobres. Ou seja, nossa personagem não é nem um pouco diferente daquela nossa vizinha que não tem muito o que fazer e nem reclama muito da vida. Tampouco é diferente da maioria das moças jovens que sempre vemos andando pra lá e pra cá na tortuosa estrada do dia-a-dia...

Mas, apesar de ser só mais uma moça (e talvez até por isso mesmo), a protagonista dessa humilde história tem sonhos. E o maior deles, disparado, é o maior de todos os sonhos das mulheres, mesmo daquelas que não querem admitir: encontrar seu Príncipe Encantado, também conhecido por homem-bonito-carinhoso-romântico- sensível-fiel-gentil-trabalhador-cavalheiro-etc e outras coisas piegas e exigentes assim.

Ah, é isso... Então a moça se emperequetou toda no início da história pra tentar conhecer seu Príncipe Encantado numa festa? Num baile? Ou talvez num inocente passeio na pracinha que culminaria num inocente sorvete? Nada disso! Para quem não sabe, nossa amiga já encontrou o seu Príncipe Encantado! Só que ele não veio galopante num cavalo branco, conforme o famoso clichê dos contos de fadas. Ao invés disso, como todo Príncipe Encantado moderno que se preze, surgiu garboso em seu imponente BMW. E, pasmem!, o rapaz é justamente o galã principal da tal novela das 8 religiosamente assistida pela moça; ninguém menos do que Gustavo Bacini, o mocinho rico e sensível da história! E que - pasmem mais ainda! - depois de saltar do carro, saiu da televisão da casa de nossa humilde personagem para com ela se encontrar!

Nossa, que romântico! Mas como diabos o gostosão da novela mais assistida do Brasil saiu da televisão dessa moça sem nome e tão sem nada de especial??? Por que justamente da televisão dela, com tantas mulheres mais bonitas e mais inteligentes??? Sem contar que esse negócio de uma pessoa sair de dentro de uma televisão é muito absurdo, só os surrealistas acreditariam em algo assim... É, no mínimo, fisicamente impossível...

Mas isso realmente aconteceu, com direito a fumacinha e tudo! E, para os céticos de plantão, digo que o belo Gustavo, depois de atravessar a dura fronteira de plasma entre telinha e mundo real, apresentou-se lindo, educado e loiro, para deleite de nossa simplória e estupefata amiga; que se perguntava se aquilo era sonho, dádiva de Deus ou sacanagem do destino.

Sacanagem com certeza não era. Como ela bem sabia, a namorada de Gustavo tinha morrido envenenada no capítulo da segunda anterior, deixando o lindo e cintilante rapaz arrasado em avassaladora solidão. Solidão essa que Roberta, a grande megera da trama, se esforçava em eliminar. Mas seus esforços eram única e exclusivamente focados no dinheiro da família Bacini; e Roberta usava de todos os seus charmosos dotes e decotes para seduzir o belo herdeiro, numa trama eletrizante e inovadora, que emocionava nossa pobre e gaguejante personagem.

Então, se não era sacanagem do destino (afinal, não era todo dia que um Gustavo Bacini saía da televisão dela), só podia ser sonho. Disso nossa amiga teve absoluta certeza quando ouviu um melodioso e grave “Sempre estive procurando por você...Venha comigo, te farei a mulher da minha vida.” Essa proposta, dita pelo Deus dos sonhos de suas noites solitárias, a fez ficar ainda mais gaguejante e começar a se beliscar freneticamente, na tentativa de acordar assustada. Sem sucesso, foi envolvida por outra melodia grave, dessa vez embalada por uma risadinha: “Não é um sonho. Desde que minha namorada morreu, estive te vendo do outro lado da TV e me apaixonei perdidamente. Nunca amei a Roberta, só tenho olhos pra você.” Aaaaaaaaaaaaah!!!! Era dádiva de Deus! E das melhores!!!!

Nossa mocinha nem pensou uma vez! Abraçou seu lindo e eloqüente galã e foi com ele rumo à incrível viagem do mundo real pra dentro da televisão. Sugados pela tela, os pombinhos logo, logo surgiram ao lado do luxuoso BMW de Gustavo e nele partiram para uma volta pela vida dos sonhos de nossa amiga. Finalmente ela havia encontrado seu Príncipe Encantado! E ele era o Gustavo Bacini, ainda por cima dizendo que sempre tinha procurado por ela!!!! Finalmente ela seria amada!! Não podia ser melhor! E, encantada com toda aquela maravilha jamais imaginada, ela deitou a cabeça no ombro de seu Príncipe, que dirigia lindo e feliz. Mas o melhor ainda estava por vir.

E veio. Mais precisamente ao saltarem do BMW no píer da praia que tinha na novela, rapidamente reconhecido por ela. Gustavo Bacini, o lindo, romântico, rico e loiro mocinho da novela das 8, acariciou o rosto de nossa apaixonada e, num movimento mais brusco, a tomou em seus braços, dando-lhe O BEIJO.

Não era um beijo qualquer. Era um beijo cinematográfico, só que bem mais bonito do que todos os que ela já tinha visto em todos os filmes ou novelas! O jeito como ele a pegou foi perfeito, exatamente da forma que ela sempre havia mentalizado: estava inclinada para trás, apoiada nos fortes braços de seu amado! Como ela sempre via nas novelas e filmes e como sempre tinha imaginado, só que mil vezes mais bonito, extasiante e apaixonante! Certamente o mais belo beijo jamais visto em qualquer novela! Um beijo com a mocinha inclinada para trás! Emocionante!

É óbvio que nossa heroína aproveitou cada sensação proporcionada pelo beijo perfeito de seu amado. Estrelas e borboletas apareciam em seus olhos fechados a cada movimento de língua. Solavancos surgiam desordenados em seu coração a cada carinho das mãos grandes do belo Gustavo. Mas, como nada dura pra sempre, os corpos se separaram em um momento e, em outro momento mais adiante, voltaram ao interior do BMW. Talvez para apresentar nossa mocinha ao senhor e à senhora Bacini, quem sabe?...

Não. Ao invés de guiar o carro para sua suntuosa casa, Gustavo Bacini refez o trajeto da praia até o ponto onde havia deixado o BMW para viajar pela televisão de nossa amiga. Intrigada com o caminho, nossa pobre personagem perguntou o que estava havendo. E, mais uma vez, a melodia grave se fez ouvir, mas dessa vez os acordes eram bem menos belos. “Pronto. Acabou o prazo.”. Prazo??? Que prazo??? “O prazo da promoção. Você escreveu para a ‘Passe um dia com Gustavo Bacini’ e ganhou. Mas agora seu tempo acabou.”

Haaaaaaaaaaaaaan? Como assim????? E aquela balela toda de sempre estive te procurando e de mulher da minha vida????????? “Isso foi o texto da promoção”, ele disse. “Tinha que dizer isso assim que saísse da sua televisão... Mas agora devo ir. A Roberta deve estar me esperando. Não conte a ninguém, mas o autor disse que vou ter um caso com ela logo.” Nossa triste e desolada personagem congelou. “Bem, foi um prazer te conhecer. Espero que chegue bem à sala de sua casa”.

E assim, sem mais nem menos, nossa amiga foi sugada novamente por sua televisão e voltou à sua sala, onde o início do fim de seu sonho havia começado.

Tudo isso aconteceu há uma semana atrás. Desde então, nossa amiga tem se arrumado todos os dias e ficado à frente de sua televisão, na cega e surda esperança de ver seu Príncipe Encantado saindo pela tela novamente, arrependido por tê-la trocado pela bruaca golpista da Roberta. E disposto a viver feliz para sempre a seu lado.

Afinal, como ela sempre viu nas novelas e filmes, o bem sempre vence e toda história de amor tem um final feliz.



Resposta B

O primeiro beijo

20:47

Era o que marcava o moderno relógio digital. Estava ali há pouco mais de uma hora. Sentado num banco desconfortável. Esperando. Roendo o sabugo das unhas. E nada.

Seus pés começaram a se debater impacientes contra o chão. A espera já estava longa e ele, geralmente tão calmo e frio, era tal qual uma pilha de nervos pronta pra explodir. Nunca desejou tanto que o tempo voasse sobre ele sem pedir licença... Mas parecia que o tempo não ia com a cara dele.

Pensou na correria que foi pra chegar até ali. Acelerou o carro o mais que pôde e deve ter tomado umas 50 multas ao longo do caminho. Mas dinheiro era a última coisa com a qual estava se importando. Tinha corrido sim, e muito. E tudo por ela.

Ela. Estava doido, ansioso, temeroso, nervoso, com medo, curioso, apressado, nervoso, com medo, doido, alucinado, curioso, ansioso... E feliz. Finalmente ia conhecê-la! Bastava ela chegar...

Na verdade, já a conhecia há nove meses. Mas nunca a tinha visto pessoalmente. Como ela seria? Bonita? Inteligente? Sensível? Do que ela gostaria? Não tinha como saber por enquanto... Isso só o tempo (sempre ele!) lhe contaria.

Levantou. Não agüentava mais ficar sentado naquele banco duro daquele lugar frio e assustadoramente calmo. Não devia ser assim!. Queria sacar um cigarro do maço astutamente guardado no bolso, mas era terminantemente proibido fumar ali. Sobravam então as unhas como últimas companheiras, porém não sobravam mais unhas em suas mãos para roer. Sem saída, ele decidiu andar, mas sem se afastar muito de onde se encontrava. Não perderia por nada o momento da chegada dela.

Então começou a andar em círculos. Andou. Andou. E andou, até ficar enjoado de tanto contar quantas voltas ao redor de si mesmo tinha dado. Olhou de novo para o relógio. A tela de cristal líquido assinalava 21:23 e mostrava que quase duas horas haviam se passado sem qualquer sinal dela. Ele se desesperou com a crueldade do atraso dela e do tempo.

Tentou voltar a roer as unhas. Mas que unhas, meu Deus??? Ele já tinha aniquilado as dez, tamanha era sua agonia na espera por ela. Queria conhecê-la, devia vê-la com seus próprios olhos, mesmo que estivesse atrasada. O momento de finalmente abraçá-la foi desejado com tanto fervor por ele que as duas horas de dolorosa espera por ela eram apenas um detalhe. Afinal, o que são duas horas pra quem aguardou pacientemente por nove meses?

Definitivamente uma eternidade! Ele não cabia mais em si de tanta ansiedade, seu coração era uma bomba de nervosismo e expectativa prestes a explodir. E não tinha cigarro, unha ou caminhada em círculo que o fizesse se acalmar.

Não! Não ia mais esperar! Tinha que tomar uma atitude, nem que essa atitude fosse sair de onde estava para procurar por ela. Tinha que buscá-la, já que ela parecia não querer vir até ele. Desembestado, correu para a porta que dava para o lugar de onde ela estava vindo.

Não chegou à porta. O gostoso primeiro choro de quem respira a vida pela primeira vez arrombou a porta de metal da sala cirúrgica e invadiu os ouvidos dele. E, na mesma hora, outro choro, aquele teimoso dos que concebem a existência, brotou de seu rosto na forma das mais doces lágrimas que já houvera derramado. As lágrimas de alguém que acabava de ser pai. Finalmente ela chegou...

O tempo, outrora tão cruel, deixou de existir para ele nesse instante de plenitude. Não mais importava o relógio ou qualquer tipo de atraso. Ela tinha chegado... Mas, ora essa, ele queria vê-la! Por que ela ainda não tinha vindo a ele?

Finalmente veio. A carinha de joelho mais linda e fofa sorria chorando para ele. Sua mulher estava bem, dormindo na sala cirúrgica, devido à forte anestesia. E ela, a nova razão de sua vida, se debatia e chorava a plenos pulmões, como que exigindo sua atenção.

Pegou-a no colo. Mais uma vez o tempo tornou-se algo inexistente. Ele estava feliz, mais feliz do que qualquer ser humano poderia estar em todo o mundo. O amor esperneava em seus braços e isso era maior do que todas as definições de felicidade que houvesse...

E assim, com toda a alegria do universo exalando de suas lágrimas e transbordando de seus poros, ele beijou o rostinho da pequenina ela. E esse era o primeiro beijo de ambos. O primeiro beijo da vida dela. Também o primeiro beijo dele. O primeiro beijo de um pai.

5 Comentários:

Blogger Havaianas disse:

Primeirona, até que enfim! Não é sempre você a primeira a comentar todos os textos? Menos o seu, né? Entra aí minha missão: desvirginar seu arquivo de comentários! Que romântico!

Como vc fez duas respostas em um, nada mais justo que eu escreva, também, dois comentários numa cajadada só:

Resposta A: Adorei a maneira como você pisoteou os clichês de todo dia e criou um texto engraçado, sarcástico e reflexivo. Aposto que Adorno gostaria de ter lido isso, uma bela análise sobre a indústria cultural e suas conseqüências. Muito mal comparando, trata-se de um Zoando na TV ao contrário!

Resposta B: Como uma coisa fofinha dessa saiu da mente de uma menina que não tira o caralho da boca? Isso só pode servir para provar que por trás de tanta "machitude gay" existe uma personalidade doce e sensível. O primeiro beijo, não importa de que tipo, é sempre memorável. Gostei da delicadeza com que foi explorado o amor mais forte e puro de todos; aquele que, com sua pungência, consegue descosturar valores e reconstruir o sentido da vida: o amor de um pai. Por isso ele é lindo!

Sem mais firulas, fico por aqui! Beijos

6/01/2005 11:38 PM  
Blogger MôNiCa disse:

E viva o grande Adorno e todos os apocalípticos!!!!!
O q foi esse txt! É mto vc: escracha totalmente! Mto 10, sensacional msm! A parada do bjo, bem novelesco, parecem q os sinhos vão tocar...mto hilário!
E quanto ao seu txt fofo...sim, ele é mto fofo! Como Mari, a grande louca, escreve um txt tão fofo, tão putchuuuu Como diz a Aline)? Uma grata surpresa. No início, parece mais um encontro qualquer, mas depois é um encontro mais q especial...fofinho fofinho...
Mto bom Mari! Parabéns!

6/05/2005 3:25 PM  
Blogger MôNiCa disse:

Ah...e vc é mto bobona msm...ainda faz duas respostas pro desafio! Mas, apesar desse grande esculacho na gente (rsrsrs), nós ainda amamos vc, tá?
Bjs

6/05/2005 3:28 PM  
Blogger Paty disse:

Sua nojenta! Quem mandou fazer duas respostas igualmente sensacionais? Te odeio!!! :D

O "Inclinada para trás" tem bem a sua cara: sarcástico, iconoclasta, ousado (brincar com o realismo fantástico não é pra qualquer um!). E com um senso de humor debochadíssimo. Afiado. Serve como uma tese Frankfurtiana aplicada aos dias de hoje. O parágrafo final é emblemático: a moça, mesmerizada diante da TV em busca de seus sonhos, personifica milhões de outras pelo Brasil, obra da cultura de massa. E fico intrigada: por que você botou os nomes de todas nós no texto, mas não o seu? :)

Já "O Primeiro Beijo" me surpreendeu, pois foge totalmente do seu estilo. É um texto incrivelmente fofo sobre um tema inusitado: o que sente um pai na hora do nascimento da filha. Prosa poética pura, exalando emoções por todos os poros. E com o mérito de não ter ficado piegas e soado verdadeiro. Detalhe: demorei a perceber exatamente do que se tratava o texto, achei que era uma mulher que ele havia conhecido na Internet. Pegadinha das boas!

6/24/2005 2:34 AM  
Blogger Mariana disse:

Meninas, primeiramente mto obrigada pelos elogios. ^^

Agora, respondendo a pergunta da Paty, coloquei os nomes de vcs no "Inclinada para trás" como uma homenagem. A "nossa amiga" não merecia nenhum dos vossos nomes... Não coloquei o meu pq homenagear a mim mesma seria escroto demais e, por mais narcisista q eu seja, isso não é o tipo de coisa q eu faria. XD

Bjs bjs bjs!

6/24/2005 11:31 PM  

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