26.5.05

Resposta da Monica ao Desafio III


Na verdade, ele sempre tinha sido assim. Não se lembrava de ser de outro modo. Não que isso fosse ruim. Era simplesmente...chato. Monótono.
Pensou em fumar, mas nunca tinha acendido um fósforo sequer. Colocou as pernas sobre a mesa e riu. Um sorriso leve e audacioso. Ninguém seria capaz de reproduzir aquela expressão. Era única, e era dele..
Queria uma inspiração, mas ela não vinha. O papel ali, vazio, à sua frente; a caneta em sua mão, pronta a tender ao seu comando. E nada. Isso o incomodava. Por que, justo agora, na hora em que ele finalmente se sentia completo, poderoso até, aquelas benditas palavras não saíam de sua cabeça?
Abandonou a caneta e recostou-se ainda mais na cadeira. Pernas pra cima, mais do que nunca sentia-se dono de si, importante. Sim, porque ele, na verdade, nunca tinha sido importante. Sempre foi muito exigido. Na escola, seus pais queriam sempre as melhores notas, e ele era o pior aluno da classe. Queriam que ele fosse médico; optou pela engenharia. Mas do que ele realmente gostava era de poesia.
Poesia! Álvares de Azevedo, Fagundes Varella. Whitman e Byron. Os maiores. Os românticos. Os pessimistas do mundo. Como ele.
Pegou seu caderno de poesias que estava em cima da mesa, a observá-lo. Começou a folhear suas criações, seu mundo. E parou em uma.
Soltou uma gargalhada sonora ao encontrar aquele soneto, lembrando-se que ele foi o início de tudo. Tinha demorado uma noite inteira fazendo-o para ela. A inspiração tinha vindo durante a aula – afinal, quem se importava com mecânica? - e ele teve que esperar até a noite para escrevê-lo em seu caderno. O que os seus amigos físicos pensariam dele?

“Oh bela que jaz à minha frente,
Quão encantadora és!”
- Ele começou a ler. Tinha sido um poema de amor. Ele entregou a ela. E ela riu.
Como alguém podia rir do que ele era? Quem era ela, rindo de seus sentimentos e de sua arte? E ele decidiu rir também.
Folheou o caderno, próxima página.

“Oh bela que jaz à minha frente,
Por que não respirais?”

Ele lembrou: nesse dia ela não riu. O que ela esperava? “Perdoa-me, visão dos meus amores se a ti ergui meus olhos suspirando”? Ele não era inferior. Talvez incompreendido, inquieto, infeliz até – negação completa. Inferior nunca.
Riu quando ela se mostrou cada dia mais perturbada diante de seus sonetos. Ela sabia de onde vinham, mas não tinha coragem sequer de levantar os olhos e encontrar os dele. Ela tinha debochado, agora era a vez dele se divertir.

“Oh bela que jaz à minha frente,
Que sucederá se não vieres comigo?”

E dessa vez ele pode ver o medo em seus olhos. Pronto. Agora ele tinha poder sobre ela. Ela olhou em sua direção e ele riu. Pode percebê-la um tanto trêmula. E então, ao fim da aula, ele ordenou que ela viesse com ele. “Caso contrário, o que poderia se suceder?”. Ele se mantinha mudo por que ela, no fundo, sabia.
E cá estava ele, vitorioso, observando o corpo da bela que jazia à sua frente. Será que ela o tinha realmente levado a sério? Ou estava só dificultando as coisas? Ele não sabia. O que ele sabia era que precisava comemorar aquela noite da melhor forma. Tinha papel e caneta, mas não a inspiração. Olhou no relógio: 2h45 da manhã. Já estava a quase uma hora tentando escrever! Levantou-se e foi buscar um copo d'água. Tudo aquilo o tinha deixado de boca seca. Era isso! Aquilo era o que faltava!
Voltou correndo da cozinha, mas deteve-se. A bela não jazia mais à sua frente, nem em nenhum outro lugar. Sentou-se na cama e encontrou finalmente um bilhete em cima do travesseiro:

“Essa brincadeira de poder continua
E você pode contribuir com um verso”
W. Whitman
P.S.: Eu contribuirei com o meu.

E ele riu. Pegou o papel e a caneta que estavam em cima da mesa. Ele também continuaria a contribuir.

3 Comentários:

Blogger Mariana disse:

AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!

HORRORSHOW!!!!!!!! \o/

Vou te dizer q pensei que o cara ia matar a moça. Principalmente por causa do "Por que não respirais?". XD

Eu quero conhecer um cara assim, com certeza ele vai me ganhar com a poesia!

Intrigante, mulé! Tenso e tesudo! Parabéns!

Bjos bjos bjos!

5/27/2005 8:04 PM  
Blogger Paty disse:

Esse já me prendeu pelo começo. Adoro inícios enigmáticos! E a narrativa que começa no presente, vai a um flashback e volta, linkando passado e presente está fantástica. Eu simpatizei com esse cara: algo me diz que ele vai largar a engenharia. Até por ser bem diferente dos estudantes dessa área que já conheci... ;)

Toda a idéia do jogo mental, da tensão sexual transposta na poesia me fascina. Deve ser fantasia de quem escreve, não? Ter um affair poético-literário... Well, escrevendo desse jeito, ele me ganharia facilmente. :)

Um detalhe: apesar de ser fã dos românticos, famosos por colocarem a amada em um pedestal, ele tomou a iniciativa e atacou no melhor estilo Augusto dos Anjos! Fantástico. E a frase final mostra que ela topou o jogo. Aposto que esse rolo vai dar certo...

Não preciso dizer que adorei, né? :)

5/28/2005 11:50 PM  
Blogger Maria Laura disse:

Sabe o que mais me intrigou no teu texto? É difícil ver alguem tão subjetivo, tão livre pra devanear, entrar com tanta perfeição na cabeça de alguém assim racionalista, como o nosso herói. E o mais espantoso: os românticos são justamente os favoritos de pessoas racionalistas que gostam de poesia.

Mas! Mas ele não é um cara qualquer, desses que a gente encontra em cada esquina e que parece com a Liliane em épauliment! Não é um melancólico qualquer, é um melancólico que sabe o que pode e o que não pode, o que é e o que não é, um melancólico seguro de si. E, sobretudo, um melancólico que tem consciência das habilidades dele. Ele tem pegada literária.

Aparte isso, amei o teu estilo narrativo, tão próprio da cabeça flashbackeante de um cara racionalista, porém sensível. É misterioso, é instigante, e a pegada dele pra ela se extende pra o leitor. Amei a resolução, amei o "entrar no jogo" dela, que também parece tão racionalista (mas com um racionalismo feminino, esquivo). Mandou super-duper-bem, lindinha. Parabéns sinceros!

5/29/2005 5:24 PM  

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