27.5.05

Resposta da Aline ao Desafio III

Poesia Colegial


Menina da biblioteca:
Desculpe esses meus versinhos
Que eu sei que são bem ruinzinhos
Mas sonho com seus carinhos
E


Coçou a testa, já desanimado. O que rimava com "biblioteca"? Sentiu um pouco de vergonha da própria limitação vocabular: só lhe vinham idiotices, ou safadezas. Diabos, não se escreve esse tipo de coisa numa cartinha de amor!

Murmurou um palavrão bem baixo, para não atrair olhares. Ele, que nunca prestava atenção nas aulas de Literatura, tentando escrever um poema. De onde tirara aquela idéia idiota? Ok, ele sabia que aquela era a maneira mais certa de atingir seu objetivo, ou pelo menos ele achava que fosse. O que não dava pra entender era: diante de uma missão tão absurda, por que é que ele ainda não tinha procurado outro objetivo mais fácil de se atingir?

Olhou de novo para a mesa do outro lado da sala, tentando buscar uma inspiração que o fizesse desencalhar no poema (e, com alguma sorte, em outras áreas também). Realmente, o que dera nele? Não era um cara feio; não chegava a ter um fã-clube na escola, mas sabia que não seria difícil encontrar uma garota legal e bonitinha que quisesse sair com ele. Mas nããão! Ele tinha que se apaixonar por aquela completa estranha!

Ele devia ter se apaixonado era pela Marcinha, como todos os outros caras normais da idade dele. Ah, pra Marcinha seria bem mais simples escrever um poema! A Marcinha já era musa de nascença: tinha longos cabelos loiros, belos olhos azuis, sorriso largo, pele dourada de sol, abundantes quadris dentro do shortinho de Educação Física. Ninguém ia achar estranho se o vissem escrevendo um poema pra Marcinha - oras, ela já devia ter recebido vários! E com certeza ele não teria que fazer força pra escrever algo cheio de firulas, algo digno da aula de Literatura, afinal, a Marcinha também não prestava atenção.

Mas é claro que a vida não podia ser assim tão prática. Como o mundo é cruel quando se tem quinze anos e seu coração bate mais forte pela garota da série acima! E nem havia razão para ele estar apaixonado por ela, havia? Certo, ela era mais velha, mas era tão mais-ou-menos! Se vestia mais ou menos bem, parecia mais ou menos simpática, era mais ou menos bonita. Os cabelos eram castanhos, de comprimento mediano, e cobriam parte do rosto quando ela se inclinava para ler (devia ser meio míope). A pele era mais ou menos clara, os lábios mais ou menos grossos, os cílios mais ou menos longos. Ali, sentada no cantinho habitual longe da janela, costumava ficar à meia-luz...

Ele sacudiu a cabeça, voltando à desagradável realidade. Não sabia nem seu nome, que dirá do que gostava! Como é que ele ia acertar justo com um poema, coisa que nunca tinha feito na vida? Tudo que ele sabia é que ela estava sempre na biblioteca na hora do recreio, séria, concentrada, certamente lendo alguma coisa culta e inteligente que ele jamais compreenderia. (Às vezes abria um sorriso de leve.) Já tentara, antes, arrancar da bibliotecária qualquer informação sobre o tipo de livro que a garota costumava levar pra casa; mas aquela velha ranzinza, no mínimo aproveitando a oportunidade para se vingar de todos os seus atrasos na devolução de revistas, se recusava a abrir o bico. Ele, coitado, continuava na sua ignorância e no seu sofrimento artístico, sem ter a menor noção de que armas usar para ganhar a batalha. Se fosse um super-herói, podia tentar ler a mente dela; mas não era, era só um moleque normal, e tinha que ficar interpretando gestos - a posição dela na cadeira, o olhar atento, a respiração ritmada e suave, o respeito ao silêncio, as mãos segurando a leitura ou apoiando o rosto sonhador.

O sinal do fim do recreio marcava o final trágico de sua novela. Olhou para o papel de novo, para aqueles três versinhos chinfrins que provavelmente causariam uma crise de riso até mesmo na Marcinha... arrancou a folha e amassou. Amassou bem, com raiva, pronto, adeus; adeus futuro poeta, adeus cartinha de amor ridícula, adeus garota da biblioteca. Estava resignado com seu destino. Jamais chegaria aos pés daqueles Drummonds e Pessoas que ela devia ler na quase-penumbra de seu cantinho.

"É o Wolverine?"

Ele congelou, bem na frente da porta. Aquela voz, doce e feminina mas ao mesmo tempo grave e bem-humorada, falava com ele pela primeira vez. Virou um pouco o rosto e ali estava ela, sua musa, apontando displicentemente para o desenho na frente da pasta que ele sempre carregava debaixo do braço. As palavras lhe faltaram. Ainda assustado, fez que sim.

"Você que fez?" Novo aceno de cabeça, dessa vez com um sorriso amarelo. "Porque tá muito bom!" Ela sorriu, ele flutuou. Ela continuou. "Eu tentei desenhar a Vampira uma vez, mas saiu um desastre. Sou um fracasso com essas coisas... você tem mais desenhos aí?"

Ah, o amor era lindo. E o mundo era mesmo todo poesia.

3 Comentários:

Blogger Mariana disse:

Awwwwwwwwwwwwwww, q coisa putchú (como vc mesma diz)!!!!!!!!!!!!!!!!! ^^

Caramba, parece q vc penetrou na mente do menino pra ver toda a sua angústia com o amor e com o fato de não conseguir escrever. Só que essa angústia passou longe daquela coisa piegas e melodramática, ficou bem leve e bem divertida, como a adolescência e suas primeiras agruras devem ser. XD

Bjos bjos bjos pra vc, pro menino, pra menina e pra idiota da Marcinha! XD

5/27/2005 7:49 PM  
Blogger Paty disse:

Que texto *fofo*!!! Definitivamente adoro esse menino. A angústia apaixonada mesclada aos hormônios em ebulicão é descrita de forma absolutamente verossímil. Bela construção do personagem.

E quando eu achava que a bolinha de papel com o poema ia acertar em cheio a cabeça da musa, eis que ocorre a virada: o desenho como ponto de partida para a conversa. Divertido e surpreendente.

Ah, os "versinhos ruinzinhos" são hilários, bem como o "desencalhar no poema e (...) em outras áreas também". E eu ainda acho que a garota lia quadrinhos no recreio, hehehe!

No mais: bora fazer a comunidade "Eu odeio a Marcinha"?
[injoke]Convenhamos, a muié está até no "Oldboy"! :D [/injoke]

5/29/2005 12:45 AM  
Blogger Maria Laura disse:

Os teu anos de CAp, Line, de salas de aula, aulas de Educação Física, Marcinhas loiras em shortinhos de lycra, leitores de comics desenhistas tímidos, bibliotecas de romance adolescente e meninas mais-ou-menos (mais ou menos? será mesmo?), te renderam muito mais do que aula e conhecimento acadêmico. Te renderam poesia até saindo pelas orelhas.

Seu texto passa por uma série de agonias de uma idade que a gente passa o resto da vida tentando superar: o não se achar bastante, o amor platônico, a dificuldade da aproximação, o balanço entre o que fazemos bem e o que fazemos mal... É basntante complexo e cheio de mensagens subliminares sobre a tua ideologia. Por isso, eu sei que estria sendo superficial se disse que tá putchu.

MAS VOCÊ NÃO ME DEIXA ESCOLHA! TÁ MUITO **PUTCHUUUUUUUUUUU**

Culpa sua! Quem manda fazer um texto tão polissêmico e putchu? ;o)

Parabéns, minha linda!

5/29/2005 4:44 PM  

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