26.6.05

Resposta da Patrícia ao Desafio V

Estava entediado. E deprimido. Tinha brigado com ela mais uma vez. O relacionamento deles era de tantas idas e vindas que ele, intimamente, o chamava de bumerangue ou ioiô. Viu-se sozinho em casa e, sem nada melhor para fazer além de remoer sobre sua triste situação, decidiu fuçar os discos da família. Era uma ótima desculpa para não pensar nela.

Logo achou uma coleção completa dos Beatles. Seus pais, legítimos representantes da geração “paz e amor”, adoravam o quarteto de Liverpool. Ele passou longe da fase psicodélica, cheia de canções chorosas. Precisava da fase alegre do início da carreira, para melhorar seu humor.

Na verdade, ele não conhecia bem o trabalho do grupo inglês. Gostava de rock, tocava com uns amigos numa banda cover que jamais saíra da garagem e, como bom adolescente do século 21, ouvia mesmo era Linkin Park, Limp Bizkit e também Franz Ferdinand e The Killers. Mas era um curioso musical: já havia flertado com o grunge graças ao Nirvana e ultimamente andava descobrindo o rock gótico dos anos 80 via Joy Division; o heavy do Metallica fase “Whiskey in the jar” e ainda o punk britânico do Sex Pistols. “Anarchy in the UK” e no seu mp3 player também. Então, por que não dar uma chance aos Beatles?

Passava de uma música a outra e sentia um comichão de idéia formando-se em sua mente. De início, contestou. Era algo meio maluco, não combinava com ele. Afastou esse pensamento – mas não muito – pegou o violão e começou a tocar. Depois de algum tempo, resolveu dar uma volta.

Olhou-se no espelho e não gostou do que via, apesar de ser louro e de olhos verdes. Teoricamente perfeito, certo? Mas a prática era outra coisa, pensava ele do alto dos seus 17 anos. As espinhas no rosto lhe denunciavam a idade. O corpo, magro e alto demais. Já os cabelos eram antes um problema do que uma solução: se os usasse curtos demais, era zuado pelos amigos, chamado de Alex Band. Se os deixasse mais longos e aliados a um cavanhaque, virava imediatamente Humberto Gessinger. Como não era fã do The Calling, e nem do Engenheiros do Havaí, encontrou um meio-termo: os cabelos lisos chegavam no ombro e a barba por fazer tomava conta do rosto inteiro. Seu visual agora, segundo os mesmos amigos, era semelhante ao de um personagem de seriado, o tal do Sawyer, de “Lost”. Passou a ver a série e gostou do sujeito: meio malandro, mas tinha jeito com as mulheres. E era apaixonado por uma sardentinha. Exatamente como ele.

Penteou os cabelos, passou um perfume e pensou de novo (ele era dado a pensar demais): “O que raios ela viu em mim?” Ela era linda: pele branca, cabelos castanhos levemente cacheados, olhos verdes como os dele. Do tipo que chamava atenção apenas vestindo jeans e camiseta branca. E ainda tinha as sardas que o deixavam doido. Lembrou-se de uma letra de música em inglês que falava em “contar as sardas no corpo do ser amado”. Brega, mas verdadeiro. Ele poderia se perder naquelas sardas e viver a eternidade ali, feliz da vida. Ainda devaneava sobre o charme tesudo inerente àquelas manchinhas na pele quando entrou no quarto para trocar de roupa. Pegou uma camisa social e sentiu o inconfundível perfume dela. Maldita mania feminina de vestir as camisas dos homens depois do sexo! Enquanto inebriava-se no perfume e na saudade, a idéia maluca que surgira anteriormente voltou com força total. What the hell, ele não tinha nada a perder mesmo!

Arrumou suas coisas, pegou a bicicleta e, decidido, seguiu seu caminho. Parou na porta do prédio dela que, por sorte, morava no primeiro andar. Pôs seu amplificador na calçada, sacou a guitarra e começou a cantar.

Sim, ele estava fazendo uma serenata para ela. Cantando “I wanna hold your hand”. Mas por que, se nem ao menos era um grande fã dos Beatles? Pura intuição, aliada a um certo senso prático: além da música ser divertida e fácil de tocar, a moça em questão morava em um prédio grande, habitado por pessoas de diversas idades. Convenhamos, os chamados Fab Four agradavam praticamente a todos, diminuindo consideravelmente o risco de levar um balde d’água na cabeça de algum vizinho indignado.

Ele continuava cantando e sentindo-se o mais ridículo dos seres humanos, mas conseguia bravamente abstrair que estava atraindo uma pequena multidão ao seu redor, e nada dela aparecer! Já estava achando que ia conseguir no máximo faturar algumas moedas. De onde tinha tirado essa idéia idiota mesmo? De um videoclip do The Calling. Típica banda de menina que ele detestava e ela adorava. E só ele mesmo para conseguir pensar mil coisas sem perder o ritmo ou errar a letra da música.

Resolveu fazer um solo para prolongar um pouco a performance – e também sua agonia pública, ele sabia. Mas sempre se achara meio masoquista. Sendo assim, já que estava na chuva, então que se molhasse com classe e estilo.

Após entoar a última estrofe, ela surgiu na janela: sua beleza se destacava a ponto de fazê-lo esquecer os motivos de todas as brigas, e apenas lembrar que o prazer da reconciliação era algo deliciosamente indescritível.

Ela o convidou pra entrar com uma expressão enigmática. Podia ser tanto a cara de "entra logo e pára de pagar mico na rua" como a de “vamos conversar sobre isso em pvt" ou ainda a de "gostei muito disso, e agora quero retribuir".

Felizmente era a última opção. Ela o recebeu com um beijo cuja extensão e intensidade eram dignas do adjetivo tórrido. Mal deu tempo para ele colocar o equipamento no chão.

- Você como cantor é um ótimo mecânico de turbina de avião – ela disse, entre envergonhada e divertida.
- Se o avião turbinado for você, então eu tô feito – completou ele, pegando a deixa da piada.
- Seu doido, a vizinhança inteira vai comentar...
- Juro que nem pensei nisso. Só queria saber uma coisa: por que a gente brigou mesmo?
- Nem lembro... Mas, vem cá: você quer segurar só a minha mão? – ela fingia uma cara de decepcionada.
- Lógico que não! O que você acha que eu quis dizer com “When I touch you I feel happy inside”? – foi a resposta dele, acompanhada de um sorriso safado.

E o que aconteceu depois serviria de inspiração para várias letras de músicas escritas por ele. Mas isso é uma outra história.

1 Comentários:

Blogger Mariana disse:

Me surpreendeu, maninha!

Coisa fofa, romântica, adolescente, alegre e leve. Mas, como não poderia ser diferente, tem a familiar babaquice nele. XD

Adorei o rapaz, achei ele lindo. Além de ser persistente e não se importar em pagar mico (quero um desses p/ mim! XDDDDD). Adorei tb o modo (babaca) q vc usou a música. O q foi o trocadilho c/ "when I touch you I feel happy inside"?????

E, não adianta. Pra mim ele sempre vai ser igual ao Kurt Cobain, nem vem q num tem pro carinha do seriado. XD

Bj bj bj, mana! Parabéns!

6/26/2005 2:04 PM  

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