12.9.05

Resposta da Patrícia ao Desafio VII

Resposta A
Inspirada no texto "Monólogo", resposta da Liliane ao Desafio IV (o do beijo)

Final Cut

Nesses últimos momentos de consciência, cheguei a ver a proverbial vida passando diante dos meus olhos, mas logo dei outro rumo a isso. Preferi concentrar-me nos momentos mais recentes, em toda a minha história com você, como um editor fuçando um vasto arquivo de imagens em busca dos melhores momentos. Se você sempre fora teatral, eu era televisiva e cinematográfica por excelência e, por isso, penso de forma pictórica. Mas nos entendíamos tão bem porque sabíamos valorizar as artes dramáticas e tínhamos a plena consciência de sermos atores nessa grande obra chamada vida.

A mesma vida que se esvai agora diante dos meus olhos, por entre meus dedos. Eu luto, insisto, mas no meu íntimo sei que é inútil e ineficaz. Ao longe, vejo alguém me esperando e sou tomada pela sensação entre angustiante e apaziguadora do fim próximo.

Por isso, me esforço em lembrar dos dramalhões feitos por você – pois era dado a dramatizar tudo, fazendo verdadeiros tsunamis em copos d’água. E lembrei dos risos, das incontáveis horas passadas em silêncio, corpos unidos, ouvindo a alma um do outro. Lembrei da dorzinha da saudade e do leve júbilo do reencontro.

Não queria ter feito nada diferente. Mesmo as brigas, inúmeras, por motivos exíguos. Brigávamos pelo gosto da exacerbação de sentimentos, pela ânsia de chegar ao extremo e saber que havia um ponto seguro de retorno. E também para dar fim a um prenúncio de rotina enfadonha. Embora gostássemos de teatro e TV, sempre odiamos a idéia de reprises. Cada dia era um episódio inédito, um filme novo, mais um rolo, mais um ato.

Sim, eu sou – ou deveria dizer era? Já não sei, o tempo não parece importar agora. (Aliás, importou algum dia?). Enfim, sempre fui mutável, constante em minha inconstância. Quando você achava que estava começando a me entender, lá vinha eu com uma nova faceta, para seu espanto estupefato.

Era fácil saber como lhe agradar, essa mimética alteração o deixava embevecido, entorpecido e adicto. Da mesma maneira, posso prever o porvir: uma cena e tanto no funeral, com direito a choro de carpideira. Até onde será sincero ou apenas movido pela ribalta bruxuleante das velas? Posso estar sendo cínica, mas como esperar comiseração da minha parte diante do inexorável?

Contudo, por que meu resquício de mente (ou alma, quem sabe?) insiste em tecer pensamentos? Por que o único protagonista da história da minha vida é você? Por que não consigo pensar em outras pessoas, outros momentos? Sinto-me como uma vítima de uma catástrofe qualquer tentando salvar seus tesouros do desaparecimento eterno.

Assim, seguros dentro de mim mesma, estão todos os meus pensamentos sobre você. Diante da doce e arrebatadora luz, tudo chega ao fim.

Corta. The End.

Resposta B
Inspirada na resposta da Maria ao Desafio V (o dos Beatles)

Ainda não acreditava. Perguntava-se.

Depois de prometer mundos e fundos, sumiu no mundo e me deixou no fundo. Não no metafórico fundo do poço, que não sou mulher disso. Mas no fundo de mim mesma, perdida e sem mapa, desamparada, pensando sobre os motivos. Mas justo agora que efetivamente estava ficando bom? Por que se privar de momentos como os de ainda há pouco, quando nossos corpos em movimento ancestral nos levaram ao êxtase mítico?

Mas você se foi, sem mais explicações. Não sem antes quedar-se impassível diante dos vários impropérios proferidos em fúria. Apenas permaneceu estoicamente imóvel, resiliente, ostentando um sorriso sarcástico e um olhar condescendente. Atitude esta que me despertava emoções conflitantes: o sorriso era a representação dentária da palavra tesão, enquanto o olhar me suscitava o mais profundo ódio, pois jazia ali uma superioridade arrogante. Tive ganas de partir para as vias de fato, mas não ia dar esse gostinho de apelar para a violência física e ser chamada de histérica ou algo do gênero. Pensei em pisotear a sua amada guitarra, provavelmente o único ser curvilíneo de quem você realmente gosta na vida. Também desisti da idéia.

Afinal, daquele instrumento saíram inúmeras canções, entoadas com uma voz erótica e irresistível. Você tinha sido responsável por livrar-me de uma série de preconceitos, estereótipos. Quebrou minhas barreiras em relação a relacionamentos, foi insistente, mas o fator decisivo mesmo foi o sexo. Veja bem, não que fosse virgem, por favor. Mas minhas experiências anteriores não haviam sido das melhores. Quando descobri que o prazer poderia surgir dissociado da dor (não física, mas psicológica), foi uma constatação libertadora. Você sabia fornecer o prazer tão bem quanto fruí-lo.

Então será que tudo se resume ao batido clichê: conquistou, comeu, largou? Depois de ter me viciado em você, literalmente botou a viola no saco e foi embora? Não faz sentido. Sabe, nem há tanta mágoa, é mais uma estupefação estarrecida. Eu sabia que o terreno dos relacionamentos passava a anos-luz da lógica e tinha plena consciência do axioma de Vinicius: “que seja eterno enquanto dure”. Mas sabe quando tudo está indo tão bem que você não acredita que possa dar errado? Inebriada pela sensação de felicidade, desliguei-me, esqueci-me, ausentei-me de mim mesma. Ou pelo menos do meu eu racional e sensato de praxe.

Nem sei ao certo se culpar o acaso, a Lei de Murphy ou algum tipo de conjunção astral seria a melhor opção. Procurar culpados não vai me fazer sentir melhor. Talvez um porre o faça. Ou pegar o telefone, ligar apenas para ouvir a sua voz e desligar sem ter coragem de dizer o que eu realmente sinto:

Você, hedonista barato, com sua autoconfiança forjada no aço frio de um coração supostamente blindado, não passa de um grande fingidor, pulando de alcova em alcova apenas para bater em retirada antes de sucumbir ao cerrado ataque dos sentimentos. Diz-se apaixonado pelos prazeres, mas é um reles narcisista monogâmico, incapaz de apaixonar-se por alguém que não seja por si próprio.

Um dia, porém, nos reencontraremos. E então, eu vou ter o privilégio de lhe mostrar os acordes finais dessa sinfonia profana.

1 Comentários:

Blogger Maria Laura disse:

Comentario sobre a resposta A:

Estranho como você e a Mari identificaram o rapaz dessa relação como um drama-king. Não me lembro se houve discussão sobre isso, mas o fato é que, embora o cara fosse um só, as moças são duas. E aqui vai o meu comment sobre a sua:

Pobre dele que ela morreu. Pobre dele, porque eles formavam um par perfeito. Daqueles que é tão diverso que suas arestas se encaixam. Pobre dele, um tipo bem "eu-gosto-de-ser-gótico" (^_^), que perdeu essa moça tão ávida por ser, por viver, por andar pra frente.

O teatro é a melancolia, é a Commedia dell' Arte; a tevê é Alias; mais do que isso: o cinema é "Antes do Pôr-do-Sol". Pobre desse rapaz, por perder a sétima arte e a arte-prática...

E mais: eu vejo Patita nessa moça (exceto pelo fato de que Patita não morre! XD)

Parabéns pelo texto, minha linda!

10/28/2005 7:48 PM  

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