1.8.05

Resposta da Mônica ao Desafio VI


Ele a observava, e se ela prestasse atenção no seu olhar, saberia que estavam cheios de preocupação e amor. Mas ela não o notava, nem ao menos sabia que ele estava ali, na soleira da porta, vendo-a arrumar as malas. Para ela, não dava mais.
“Mas, o que procurava?”, pensou. Liberdade, acima de tudo. Não queria ficar presa à ele, não queria depender dele. Se ela o amava? Ora, claro que sim. Ela, de alguma forma, se sentia na obrigação de amá-lo. Apesar do pouco tempo de convivência, ela aprendeu a admirá-lo. Sim, ela sem dúvida, o amava.
O que ela odiava era o seu ciúme, a seu sentimento de posse. As brigas começaram. Inúmeras, infindáveis. Ela queria a tão sonhada liberdade, mas ele não deixava que ela fosse livre. Discussões adentravam a noite, fazendo acordar todo o prédio. E ela detestava isso, detestava se ver exposta ao ridículo. E, ao final dos confrontos, ele sempre se sentia vitorioso. Dizia para ela que a amava e que se preocupava com ela, com o que poderia estar fazendo na rua até altas horas. Mas ela passou a desprezar cada vez mais aquela preocupação e aquele amor.
Mas, pensando agora, será que ele tinha razão? Talvez sim. Ele dizia que ela era imatura, egoísta, que não se importava com ele, com o que ele sentia sempre que ela saía com aquele grupinho de amigos abomináveis. Ele dizia que se sentia só. Mas ela pensava que ele falava isso somente para deixá-la de consciência pesada.
Parou por um momento. Será que ele realmente se sentia só?
Uma lágrima teimava em descer pela sua bochecha. Secou-a logo. Ela não se permitia chorar. E afinal, porque ela deveria, se estava conquistando seu passe para o mundo ideal, onde não se importaria com coisa nenhuma? Não teria mais aquele seu carrasco e inquisidor, porque era nisso que aquela relação tão bonita tinha se transformado: numa inquisição, cada vez mais torturante para ela. Não iria mais sofrer por aquele ciúme. Estava cansada disso.
Por um momento, ela pensou ter ouvido um barulho, um soluço, algo parecido. Virou-se em direção à porta, mas não havia ninguém lá. Voltou a seus afazeres, empacotando suas roupas, as únicas coisas que levaria daquele tempo estranho em sua vida. Ele, envergonhado, tinha se escondido, procurando abrigo em uma poltrona na pequena saleta.
Afundou. Aquela experiência não tinha dado certo, como mais outras tantas em sua existência monótona. Pensou no quanto ficou feliz quando decidiram morar juntos, o quanto poderia ser bom para os dois. Mas ele atrapalhou tudo, sempre. Ele e o seu ciúme. E não era a primeira vez. E ele ia se sentir sozinho de novo. Apoiou a cabeça em suas mãos. Começou a imaginar aquele apartamento sem ela, sem sua vida, sem sua luz. Ela tinha uma luz especial. Mas que tinha se apagado da vida dele.
E agora, quando ele nada mais tinha o que fazer e quando ela decidiu ir embora, ele claramente viu que não adiantava mais. Não adiantava mantê-la ali, vendo-a infeliz todos os dias. “Se quer ir, que vá”, dissera ele, na última briga, a cerca de vinte minutos atrás. Ela sorriu, impiedosa com os seus sentimentos. “Até que, enfim, eu vou embora dessa casa!”. Ele ficou paralisado. Não tinha conquistado nem um décimo de seu coração. Mais um para a galeria dos fracassos.
De repente, a porta do quarto se abriu. Primeiro, as malas; depois, ela. Nunca o tinha olhado daquele jeito. Percebeu a fragilidade que o envolvia. Ele sempre parecia tão forte, tão incisivo nas suas batalhas e, no entanto, estava ali, catando o pouco que tinha sobrado de si. Ela ficou penalizada, e, pela primeira vez se deu conta de que aquele amor era sim verdadeiro. Sentiu que precisava dizer isso a ele, precisava dizer alguma coisa, e não conseguia. Mas nem um “até logo” ou “a gente se vê”. Nada. Ele cortou o silêncio.
- Estou fadado a isso, não é? Você bem sabe que não é a primeira vez.
Ela manteve-se em silêncio.
- Já sabe para onde vai?
Ela somente assentiu com a cabeça.
- Vai para a casa da sua mãe?
Negou.
- Vai ao menos telefonar para ela?
Assentiu novamente.
- Quando o fizer, mande lembranças. Diga que falhei novamente, e que foi da mesma forma.
Ela chorou. Caminhou até a porta com as malas e voltou-se por um momento. Ela realmente precisava dizer alguma coisa.
- Pai...
Ele somente levantou os olhos em direção à porta.
- ...Eu te amo. E é de verdade.
Não quis ver o efeito de suas palavras. Fechou a porta e seguiu, rumo à sua liberdade.

5 Comentários:

Blogger L. disse:

Não, esse ainda não é o "comentário oficial" - pretendo fazê-lo quando tiver tempo de verdade, e agora só estou de passagem pelo PC. Mas acabei dando uma olhada no seu texto e não pude deixar de pensar na sua menina indo embora com o meu cara, como a Paty comentou comigo. E estou rindo da idéia. XD

8/06/2005 5:36 PM  
Blogger Paty disse:

Só pra lembrar que a idéia dos dois se casando foi sua, e não minha... E também pra dizer que eu comentei o comentário da Mônica sobre isso no seu texto (Viva o hipertexto! :D)

De resto, eles provavelmente iam ficar falando mal dos pais o tempo todo! :)

8/06/2005 6:33 PM  
Anonymous Anônimo disse:

Conflituoso é o relacionamento entre pai e filha... Ainda mais qdo o pai é ciumento e a filha tem sede de liberdade...

Bem, o texto tá maravilhoso e os personagens, bastante humanos. Adorei mesmo! E devo confessar q pensei q era uma mulher se separando do marido mas, lendo de novo, percebo q sua intenção não foi fazer pegadinha, hehehehehehe.

Parabéns, vótchka! Retrataste com maestria os problemas da bonita relação entre pai e filha. Bjs bjs bjs!

PS: Ah, tb tô videando mto sério a tua personagem fugindo com o personagem da Lili. E, como disse a Paty, eles tão falando mto mal dos pais. XDDDDDDDDDDD

8/13/2005 5:44 PM  
Blogger Paty disse:

De início, pensei tratar-se de uma mulher deixando o marido ou namorado. E a sensação persistiu até quase o final do texto. Ou seja, complexo de Electra total presente no duplo sentido dessa relação complexa.

Interessante como o ponto de vista muda sutilmente ao longo da narrativa: começamos dando todo o apoio à moça disposta a largar o opressor em sua vida e sorrateiramente acabamos por conhecer o lado frágil desse homem, cuja única forma de demonstrar amor que ele conhecia consistia no ciúme sufocante. O monólogo se transforma em diálogo representando uma vida inteira de frases não-ditas.

Ao terminar a leitura, permanece uma sensação dolorida, imagina-se as mil e uma dúvidas sobre se ela fez a coisa certa. Crescer dói. Mudar dói. Essa é a idéia.

(E essa segunda leitura me foi particularmente reveladora, for my own personal reasons)

11/15/2005 3:33 AM  
Blogger Aline Brandão disse:

Também pensei que fosse um casal - não necessariamente casados. (Era seu objetivo, né?)

Então vem o diálogo final. As falas dele fazem soar uma certa estranheza - a familiaridade com a mãe da garota.

E então ela diz a palavra-chave: "Pai". O conto se revela. E dá uma dor no coração, que todo filho (mesmo não vivendo uma relação como a desses dois) certamente entende...

12/26/2005 2:30 PM  

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