5.11.05

Resposta da Mônica ao Desafio VIII


Eu realmente não entendo. É praticamente inexplicável. Sou bonito, atraente, todas as mulheres do reino lutam arduamente por mim. Tenho dinheiro, sou herdeiro de uma das coroas mais desejadas do meu tempo. E, no entanto, estou sozinho, sofrendo as desilusões da vida.
Demorei a aceitar isso mas hoje, aqui, nesta sacada, deste palácio, pensativo como estou, vejo esta triste verdade como algo evidente. Não tenho ninguém por mim. Não que valha a pena. Tenho somente cortesãos frívolos me rodeando em busca de mais poder (Céus! Eles são insaciáveis!) e belas garotas que não querem ser a “minha esposa”, mas sim “vossa alteza real”. Não seria de espantar que uma delas arrumasse outro e me jogasse fora logo depois que a tiara real esquentasse sua cabeça.
E tudo isso não é por falta de esforços da minha parte. Eu tento encontrar a pessoa ideal. Uma vez, faz alguns anos, saí pelo mundo atrás do amor verdadeiro. Em minhas andanças, certa vez, conheci uma jovem, uma tal de...como era mesmo o nome...era engraçado...ah sim, Branca de Neve. Era bonita, a moça, cercada pelos sete anõezinhos que a guardavam. Diziam que ela estava morta, mas eu acho que era improvável, porque eu a beijei e ela acordou como se nada tivesse acontecido. Pedi sua mão em casamento, mas ela não queria largar os pirralhinhos (digo, anõezinhos) de jeito nenhum! Imagina: cada um deles ocupando um ministério! Não ia dar certo. Fora que aquela história de maçã envenenada era tão esquizofrênica! Ela devia ter problemas sérios. Talvez tenha sido a criação...soube que passou a infância com uma madrasta muito narcisista, que só queria saber do espelho. Branca não seria uma boa rainha, nem uma boa esposa para mim. Precisei me conformar com a solidão. Minha primeira desilusão.
Selei meu cavalo branco e cavalguei mil léguas. Ouvi um canto bonito, encantador como eu (modéstia à parte) e o segui. Vinha do alto de uma torre. Até tentei encontrar a porta, mas tudo o que achei foi uma corda. Fazer o que? Subi. Engraçado lembrar do choque que senti quando descobri que aquilo era...cabelo! Enorme, maltratado, horrível! A moça tinha um rosto bem feito até, mas o susto da revelação capilar fez com que eu caísse da torre e me cegasse com uns espinhos. A minha sorte foi ter encontrado um sábio, que curou meus olhos. E pensar que tudo isso aconteceu porque eu, príncipe encantado, confundi cabelo com corda. Levarei à forca a pessoa que souber disso algum dia!
Voltei para casa, e papai percebeu que eu já estava começando a desacreditar no amor. Entre tantas mulheres, eu não conseguia encontrar uma que fosse, pelo menos, normal. Ele tento me convencer da existência de beldades no reino, eu duvidei, e fizemos uma aposta. Ele organizaria um baile em minha honra. Vieram todas as damas das redondezas, nenhuma para mim. Se bem que tinha uma muito bonita, papi dizia que nunca a tinha visto na côrte. Mas, coisa estranha, não gostei de seus sapatos. Brilhavam muito, eram cafonas ao extremo! Uma rainha tem que, pelo menos, saber se vestir bem. Até dancei com ela (tinha um jeito simples e atraente), mas mal bateu meia noite e ela saiu correndo! Será que falei algo errado? Ela não gostou de mim? Mas todos gostam de mim! Senti-me ofendido...e ela ainda fez questão de deixar um daqueles sapatos bregas...
E aqui, parado nesta varanda, penso que as três mulheres de que me lembrei tinham algo esquisito. Será que estariam vitimadas por alguma maldição? Conheciam-se? Tinham algo em comum, além de mim? Uma fada madrinha talvez? Ah, essas garotas esquisitas sempre têm uma! Será que essa tal fada existia de verdade? Se existisse, precisava de uma agora. Tinha amor e tinha um reino, e não sabia com quem compartilhar ambas as coisas. O que peço? Uma princesa encantada!
Por um momento, silencio minhas reflexões, à espera de que uma carruagem entre pelos portões trazendo minha bela nobre. Chego a prender a respiração. Mas tudo o que vejo é uma linda e jovem camponesa que sorri para mim e abaixa os olhos, corando. Retribuo o cumprimento, e ela parece um dos tomates da cesta que carrega. Será este meu conto de fadas?

4 Comentários:

Blogger Paty disse:

Ah, outra inversão! Temos o ponto de vista do príncipe que, coitado, é sempre relegado ao papel de coadjuvante que mal aparece, nunca é ouvido nem cheirado. Aqui surge a chance do desabafo divertidíssimo desse personagem afetado e nada modesto, quase o Encantado do Shrek.

Impossível não rir com as desventuras amorosas dele (sempre o mesmo príncipe!) com as mais diversas donzelas dos contos de fada: Branca de Neve, Rapunzel, Cinderela. E quando achamos que o coitado vai ficar sozinho, eis que surge a chance na Gata Borralheira...

Gosto da ironia e do humor que permeiam o texto, bem como da narrativa leve e fluida. Sem dúvida um conto de fadas nada convencional, e por isso mesmo, ótimo! :)

12/24/2005 8:34 PM  
Blogger Aline Brandão disse:

Com todo o humor e a cafajestice desse Príncipe Encantado, eu chego a sentir uma pontada de pena por ele. Tão recorrente nos contos-de-fadas, mas sempre aparecendo no último minuto, usado e abusado como um instrumento para a felicidade das heroínas, verdadeiro Deus Ex Machina sem personalidade! Ele é mesmo um frustrado, cercado de donzelas filhinhas-de-papai. Uma camponesa simples e sem problemas psicológicos, é disso que esse príncipe precisa. Acho que agora vai... XD

12/26/2005 2:54 PM  
Anonymous Anônimo disse:

Aaaaaaaaaaaaaaah... Bendito seja o recurso da inversão!! Nos rendeu dois belos textos nesse Desafio!!

Simplesmente ADOREI o teu Príncipe!! Ele passa longe do personagem vazio de contos de fada, cuja única serventia é surgir segundos antes do "E viveram felizes para sempre". O ruim é q nunca se questionou se esse rapaz tem sentimentos ou anseios e, aqui nesse texto maravilhoso e engraçadíssimo, vc fez isso com maestria, longe de qqr pieguice montada em cavalo branco! XDD

E concordo com a Aline, ele precisa duma moça sem frescura!!!

1/11/2006 2:17 AM  
Blogger Aline Brandão disse:

E subitamente eu me lembro do conto de Rosa Branca e Rosa Vermelha, que eu li recentemente, em que no último minuto surge um irmão do príncipe encantado pra casar com a Rosa Vermelha. Os percalços da monogamia... XD

2/06/2006 10:12 AM  

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