13.10.05

Resposta da Liliane ao Desafio VII

Teto Não-Familiar
(Texto baseado na Resposta da Mônica ao Desafio II.)


Os olhos estreitos vagavam pelo aposento, numa vã tentativa de assimilar o maior número possível de detalhes. Ele bem sabia, no entanto, que era um completo estranho; invadira uma espécie de mundo paralelo. Não que fosse um espaço hostil, muito pelo contrário. Da iluminação suave ao bibelô peculiarmente sensual sobre a mesa de cabeceira, tudo ali parecia disposto a conquistá-lo. Fazia sentido, não?

Observou as pontas dos pés, notando que alguma graxa faria bem aos sapatos. Sentiu-se um tolo, e decidiu assoviar uma melodia qualquer, apenas para quebrar o silêncio e o enervante fluxo de pensamentos. Certamente aquele não era o lugar mais apropriado para divagar. Buscando livrar-se de qualquer eventual fantasma, começou a caminhar em passos lentos, disposto a prosseguir com sua vaga análise. Se o quarto ainda não o seduzira, ao menos já despertara nele uma morna curiosidade, algum encanto. Havia naquela cena algo de nostálgico, um sentimento que fugia por completo do que o ambiente sugeria. Veio-lhe a imagem de uma criança em uma loja de brinquedos caros, maravilhada com os itens nas prateleiras.

Interrompendo a caminhada, procurou a própria imagem no espelho que ficava a um canto. Ponderou sobre manter o cabelo alinhado como estava ou lhe conferir um ar mais desleixado; acabou optando por esquecê-lo e voltar sua atenção para o paletó, ajeitando os ombros. E concluiu que, apesar das olheiras e da aparência abatida, não deixava de ser agradável aos olhos. Uma sombra de sorriso brincou em seus lábios.

E ela, como seria?
(Que não fosse como ela.)

Não, não ia começar com aquilo. Suspirou, fechando os olhos e pressionando as têmporas. Estava ali para esquecer, não estava? Balançou a cabeça - alguns fios negros lhe cairam sobre a testa -, e fez o caminho até a cama. Acariciou os lençóis displicentemente, querendo saber se eram de seda ou cetim; fosse como fosse, quase aceitou o convite mudo a experimentar o leito. Fez menção de sentar-se, desistiu e mudou de idéia mais uma vez, acomodando-se junto a beira. Olhou para a porta, aflito; não passara sequer cinco minutos fechado naquele quarto e já conseguia ser uma ameaça em potencial para sua própria sanidade.

Por que tinha de estar tão nervoso?

Aquela situação não era exatamente nova. Não era a personificação da experiência, mas já conhecera um tanto razoável de mulheres. Havia algum estranhamento no método, talvez; ritual de conquista fazia falta. Tentou fazer graça, alegando que era muito mais prático, assim. O arroubo de virilidade durou pouco: descobria, frustrado, que se preocupava tanto com ela que esquecia de si mesmo, como de costume.

E quem era a ela em questão?

Ele não ousaria responder, por mais que o óbvio insistisse em rasgar seu peito. Respirou fundo, deixando o corpo tombar sobre a superfície acetinada. Se ela não pensava mais nele, ele também tinha o direito de esquecê-la; estava absolutamente isento de culpa. E mesmo assim ele insistia em justificar-se, fazendo do pagamento um álibi. O que ocorreria ali não era nada mais que uma relação estritamente comercial. Não haveria amor - conseqüentemente, não haveria traição, certo?

A resposta que recebeu foi o ligeiro ranger da porta. Saltou na cama, erguendo-se imediatamente. Viu a mão delicada na maçaneta, o corpo bem-feito surgindo através do portal. Viu que não tinha aquele jeito vulgar; havia um quê de inocente delicadeza ali, parecendo ao mesmo tempo tão desejável e tão deslocada quanto ele. Viu que ela não se parecia em nada com o que ele deixava para trás - o que ele insistia em deixar para trás.

Não viu mais nada. Lançou-se, e os lábios dela tinham sabor de champanhe.

Que viesse a ilusão.

2 Comentários:

Blogger Maria Laura disse:

De um dos primeiros desafios. Acho que o seu texto é diferente justamente porque deixou a inspiração esfriar, e só depois se debruçou nela pra separar os pedacinhos. Sem arroubos, sem transbordamentos eufóricos: paciente como um bom vinho.

Você conseguiu criar, realmente, uma nova história. Uma história que não fazia parte daquela em que você se baseou. Você fez o texto mais original desse desafio, justamente porque a sua história não é a mesma em outra versão, nem um desdobramento do mesmo recorte: é uma história complementar.

Ele nada sabe dela, ela nada sabe dele. E pouco importa, quando se tem seus próprios problemas. Eles, no fundo, precisam da mesma coisa.

Parabéns, minha linda! É um texto quase tão lindo quanto você!

10/28/2005 7:19 PM  
Blogger Paty disse:

Ah, texto sensacional! Pelo inusitado do tema, de mergulhar na cabeça de um homem em busca do amor pago. É um dos clássicos losers da Lili? Sim e não, pois ele tem a autoconsciência um pouco maior. E efetivamente agiu em vez de apenas especular como teria sido.

Detalhes materias e sentimentais como sempre servindo à narrativa, prendendo o leitor, dando vontade de saber quem é esse homem, onde ele está e porque veio parar ali. As revelações saem aos poucos, despretensiosamente planejadas.

Mas a delícia está nos últimos parágrafos, quando a moça entra em cena e nós a reconhecemos pelo simples fato de ela se sentir tão deslocada e vazia de sentido quanto ele. Me pergunto até onde o champanhe deu coragem a ela para enfrentar sua nova vida. E suponho que esse "trabalho" foi mais carinhoso do que deveria... Uma ilusão para ambos.

Ah, droga. Quero saber o que aconteceu depois! E esse é apenas um dos méritos do conto. :)

12/23/2005 3:17 AM  

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