30.10.05

Resposta da Mariana ao Desafio VIII

A noite dos cisnes


Tun-tac-tuntuntun-tac!

A música estava alta e a festa, muito divertida. Jovens belos e poderosos dançavam alegres ao ritmo da melodia sensual e barulhenta, como se a tristeza fosse incapaz de invadir aquele salão. Porém, num canto esquecido da animada festa, a solidão se escondia travestida de Super-Homem.

Imagem tão paradoxal jamais poderia existir. Aquele Super-Homem não era forte, não tinha rosto de galã, não voava e nem era dotado de visão de Raio-X. A roupa azul e vermelha salientava a magreza do corpo muito alto de um menino de 17 anos, o único fantasiado naquela noite de alegria e vergonha. E ali, na segurança solitária daquela cadeira inundada em penumbra, ele pedia aos céus que o ajudassem a evaporar. Que o deixassem em paz.

Nunca deixariam. Seu olhar machucado de humilhação sempre foi um alimento para eles. Mas por que então estava lá, servindo de palhaço fantasiado de super-herói? Simplesmente porque havia sido um idiota.

Deveria ter desconfiado. Foi muito estranho aquele convite lhe sendo entregue no recreio por um de seus algozes da Educação Física. Mais estranho ainda foi ler que a garota mais bonita da escola o estava convidando para um baile à fantasia da turma. A caligrafia era igualmente bonita, provavelmente era mesmo dela. E a idéia de estarem juntos em uma festa, ainda que representando Super-Homem e Lois Lane, era para ele como a realização do sonho de ser especial. Por uma noite, pelo menos.

Mas não. Nunca seria especial.

Teve certeza disso ao adentrar o salão. Pensando encontrar seu par exuberantemente fantasiado em meio a vários mascarados, pierrots, colombinas, fadas, princesas, marinheiros e preservativos ambulantes sem o menor esboço de brilho; deparou-se com uma festa comum, lotada de jovens esfuziantes e cruéis em suas roupas da última moda. As risadas de escárnio ricochetearam as costas daquele Super-Homem, que tombou destruído sobre seu próprio orgulho no canto mais sombrio daquele salão. E ali permaneceria até o fim da tortura, quando seus pais o resgatariam, pensando que tudo havia corrido bem.

Só que a tortura já estava longa. Queria poder usar a capa da fantasia de Super-Homem, voar para longe daquele picadeiro abandonado e ir para um lugar onde não se lembraria quem era, tamanha era a sua tristeza. Mas não chorava. Mesmo suas lágrimas não simpatizavam com ele! O ambiente lhe era totalmente hostil, a ponto de o grave daquela música barulhenta e sensual fazer a cadeira em que estava tremer como se quisesse lhe expulsar e lhe dissesse “Sai de cima de mim!! Não está vendo que você não pertence aqui???”.

Sim, ele via. E devia se resignar. Seu lugar não era aquele, tinha que se convencer de uma vez por todas.

Decidiu ir embora. Seus pais iriam entender seu sofrimento. Levantou, pronto para atravessar o salão e livrar a festa de sua inconveniente presença. Contudo, uma luz o paralisou.

Um anjo de longos cabelos escuros e grandes asas estava parado à sua frente e ele o reconheceu de imediato como a razão de sua esperança e de seu desespero. Sua pele era de um branco tão irradiante e perfeito que o faria chorar. Ela flutuava como uma leve pluma naquele mundo perverso de risadas cruéis. Como um belo cisne a deslizar sobre águas turvas. Era a criatura mais especial que ele já havia visto.

— Até que enfim encontro alguém fantasiado! Você também não sabia? — ela perguntou inocente.
— E-eu? Bem, eu fiquei te esperando, mas... Sabe... A carta...
— Me esperando? Carta? Não estou sabendo... — ela se intrigou
— O convite... Me fizeram de bobo mais uma vez.

Subitamente, a moça fantasiada de anjo compreendeu o que havia acontecido e lançou ao rapaz um olhar condescendente e indignado.

— Nossa, eles não aprendem!!! Me desculpe, eu não queria que você passasse por isso...
— Tudo bem, já estou acostumado... — ele se esforçou para sorrir, embora a voz embargada o traísse...
— Vim pra esse canto pra descansar e descubro essa sacanagem!! E que me usaram pra isso!! Que coisa nojenta!!
— Bem, eu é que devo te pedir desculpas... Você não precisa ficar assim e estragar sua festa por causa de alguém como eu. Na verdade, eu já estava indo embora.

E assim Super-Homem virou as costas, determinado a abandonar aquele cenário e evitar mais constrangimentos para o anjo. Afinal, ela não era feita da mesma matéria reles que o constituía, era o objeto de admiração de mil entre novecentas pessoas que estavam naquela festa e deveria voltar a dançar e deixá-lo partir quieto com sua humilhação.

Definitivamente, ele não a conhecia.

Ao sentir um puxão na capa de sua fantasia, o garoto se voltou para ouvir a moça.

— Eu não gosto deles e não gosto do que eles fazem com você e comigo...
— Ah, como? Eles te amam, te veneram...
— Não, eles são péssimos!! Sempre me pressionando... E se for pra ser amada por esse tipo de gente escrota e mesquinha, eu prefiro ser odiada pro resto da vida!

Ele ficou em choque. Ela continuou a falar, mais exaltada do que nunca.

—Sabe, eu não tenho um amigo de verdade nessa escola! São todos invejosos e querem me ver pelas costas! Por isso eu vim pra cá, pra sair do foco deles pelo menos por um instante... —ela se acalmou e prosseguiu — Aí, encontro você, todo encolhido e solitário... E pensei que pudéssemos fazer companhia um pro outro...

A música da festa subitamente mudou. Não era mais a batida sensual, substituída pelas guitarras de um rock antigo, perfeito para dançar. A garota pareceu perceber o potencial da música e, para completo pânico do rapaz, o agarrou pela mão, arrastando-o para a pista.

— Não! Eu não sei dançar! Por favor, vamos ficar lá na mesa!!
— Bem, o tal convite dizia que eu tava te convidando pra ser meu par... Agora eu tô convidando mesmo, oras! Vamos lá!
— Mas e eles?? — a voz dele transbordava horror.
— Esquece eles! Nós somos melhores!!

Assim, Anjo e Super-Homem correram para a pista e começaram a dançar. Um tanto desengonçado no começo da música, ele adaptou-se bem ao ritmo, de forma a guiar alegremente os passos frenéticos dela. Dançaram empolgadamente, como se cada fagulha de euforia e felicidade estivesse naquela pista, que agora se abria em círculo para admirar seus movimentos entusiásticos e, ao mesmo tempo, elegantes.

E continuaram, alheios à admiração hipócrita dos demais participantes da festa, que lhes lançavam olhares de inveja. Ele se senta voando sem nenhma amarra, como o mais poderoso dos super-heróis, levando sua mocinha para o infinito, onde não se preocupariam com mais ninguém.

Sim, sem dúvidas ele era um Super-Homem. E voando em felicidade estava.

Até a meia-noite. Seu celular tocou, lembrando-o da aterrissagem. Ele tinha que partir.

2 Comentários:

Blogger MôNiCa disse:

Tá...agora vc tem q escrever o final da história! Anjo e Super-homem viveram felizes para sempre?
Uma adorável história de um amor nascente...
Bjinhos

11/05/2005 3:04 PM  
Blogger Paty disse:

Outra coincidência de temas, hein maninha? :D

E outra grata surpresa: o diálogo com o original aqui é mais direto e cheio de deliciosas ironias, como a fantasia de Super-Homem do protagonista ou o mesmo sendo expulso pela cadeira como forma de representar sua inadequação. O patinho feio é tão frágil quanto o do conto de fada e precisa de um anjo para torná-lo cisne. E na verdade há até um certo crossover, já que o celular tocando à meia-noite torna nosso patinho feio um Cinderelo.

E o menino é especialmente "tadinho". Impossível não sentir pena dele e ao mesmo tempo não querer mandá-lo para longe dali, dizer: "não dê esse gostinho a seus algozes, não deixe que o vejam assim humilhado. Liga logo pros teus pais e dá o fora daí, pombas!". Provavelmente estava imobilizado pela tristeza até ser tirado de sua letargia (olha a inversão de papéis aí: o herói sendo salvo pela mocinha) pela moça popular e decidida.

Verossímil, bem construído. Um conto de fadas moderno, com estilo! E outro texto que me deixa com vontade de saber o que aconteceu depois...

12/23/2005 4:12 AM  

Postar um comentário

<< Home