19.10.05

Resposta da Mariana ao Desafio VII

Epílogo
(Baseado em "Monólogo", resposta da Liliane ao Desafio IV)


Acabou.

Dessa vez foi para sempre, independentemente da nossa vontade (ou do nosso orgulho). E, enquanto você passeia, despreocupado e inocente, pelos jardins abstratos de seu inconsciente, eu enceno o ato final da nossa história. Da minha história.

Despreocupado e inocente? Sim, esse é você. Poderia adicionar dramático, apocalíptico, teatral e também relapso, ou até inerte... Contraditório. A permutação insólita entre a racionalidade explosiva e a paixão indiferente. Um irresistível ímã, sempre a exercer um contumaz magnetismo sobre esse camaleão incansável que lhe fala. Sem sombra de dúvidas, o astro de nossa peça conjunta.

Que hoje encontra seu fim.

Não, meu querido, não há o que fazer. Acabou, agora é irreversível. E, garanto, eu sabia mais do que ninguém que isso ia acontecer. Mas não lhe avisei. Talvez num esforço de preservá-lo ou até de evitar que nosso roteiro caísse num clichê tragicômico. Eu bem sei que, por mais histriônico que você seja, dramalhões mexicanos não lhe encaixam.

E tal qual um legítimo astro, sua luz é tanta que não consigo parar de lhe admirar, nem quando se encontra em seu estado mais vulnerável. No entanto, ao lhe ver assim, liberto de todas as pressões e aborrecimentos de suas horas conscientes, não posso deixar de lamentar o desfecho nada glorioso de nossa odisséia... Desnecessário, eu diria.

Por quê? A resposta, amor, reside sempre em sua personalidade dramática. Seus ciúmes e sua necessidade de controlar a metamorfose personificada que eu sempre fui esgaçaram de tal modo nossos últimos momentos, que uma raiva mesquinha e conformista passou a ditar nossos papéis. E a nossa história, outrora e sempre tão entusiástica e feliz, tornou-se, nos últimos dias, um grande monólogo disfarçado de diálogo. Apenas nos suportávamos, ultimamente. Dividíamos a cama, mas dormíamos um de costas para o outro, incapazes que éramos de abrir mão do orgulho e voltar às boas.

Confesso que, nesses dias, senti um grande ódio de você e do seu dom para a ribalta. A ponto de pensar em mandar às favas qualquer amor e instinto de preservação que eu ainda lhe reservasse e lhe contar tudo: a razão do final abreviado de nossa peça, já conhecida de antemão por mim e somente por mim. E, aí sim, meu caro, a culpa e o remorso lhe dominariam e você viria, feito cão sem dono, me pedir perdão por todos os festivais de egoísmo e possessividade a que fui obrigada a assistir. Eu, é claro, vislumbraria sua vergonha e arrependimento com a certeza de estar lhe castigando. Afinal, não foram poucas as vezes em que você pediu.

No entanto, fui desarmada. Não sei bem o porquê, mas precebi que sua culpa seria a MINHA tristeza e o MEU arrependimento. Por mais egoísta que você tenha sido, não merecia sofrer por antecipação. Era a nossa felicidade que eu buscava e isso certamente não combinava com um roteiro de tragédia anunciada. Nossa peça deveria ser recheada de risos e juras de amor, suas lágrimas não poderiam ser desperdiçadas. Por isso, por não suportar ver tristeza em seus olhos agora cerrados em calmo torpor, eu desisti de lhe contar a verdade. Ah, se você soubesse o quão incrível é o poder de persuasão desse seu ar pueril e teatral...

Mas eu não imaginava que seria tão cedo. As cortinas se fecharam antes que nós, herói e heroína, resolvêssemos o nosso conflito. E agora, minha maior vontade é me levantar dessa cama na qual me encontro inanimada ao seu lado e lhe sacudir, lhe abraçar, lhe acordar, lhe estapear... Fazer o que for para lhe mostrar que eu ainda estou aqui e que tudo isso é um erro na direção da peça...

É impossível. Eu sei. Acredite, me dói muito o coração saber que minha participação chegou ao fim...

Só que o desfecho, meu amor, apenas começou. Agora, a nossa peça é, de fato, um monólogo.

Pode reabrir as cortinas.

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse:

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

10/25/2005 11:54 PM  
Blogger Maria Laura disse:

(que porra é essa de "coment excluído?)

Lindo texto, Mari. Um vocabulário belíssimo, uma narrativa que vai crescendo emocionalmente, daquela que parece que vai ficando exaltada. É um texto muito forte. Parabéns, minha linda!

10/28/2005 7:12 PM  
Blogger Paty disse:

Sabe o que é mais interessante? Essa mulher não é a mesma mulher da minha resposta. São duas visões bem diferentes da mesma história. Portanto, dona Mari, a sua nóia não faz o menor sentido! :)

Afinal, esta mulher também é a mulher do conto da Lili. O texto dialoga com maestria e de forma direta com o original, caprichando nas metáforas teatrais. Ela também sabe fazer drama. E dos bons!

Outro mérito vem do fato de aqui a relação do casal se mostrar por completo. Vê-se que não era exatmente um mar de rosas e esse foi o motivo de ela não ter contado a ele sobre o desfecho que a esperava (o que, de certa forma, a faz tão egoísta quanto ela o acusa de ser).

Muito bom mesmo, reflexivo, descreve com maestria os sentimentos da moça e brinca com a proximidade do texto da Lili, com destaque pro final!

12/23/2005 3:27 AM  

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