2.4.06

Resposta da Liliane ao Desafio IX

Composição


Chegou em casa cansada. Tinha sido mais um dia cheio: faculdade, estágio e todas as conduções envolvidas no processo. Isso já era bastante para acabar com as energias de qualquer um. Ainda tomou um banho e jantou, antes de começar a pensar no título que daria à matéria. Acabou deixando a questão guardada num recôndito da mente, a idéia acabaria vindo no tempo devido. Deu prioridade ao texto que precisava terminar de ler para o dia seguinte, se esforçando para não lembrar do trabalho que lhe tomaria o fim de semana. Por ora, era melhor manter o foco na curta noite de sono que teria pela frente.

Anotações devidamente feitas, lançou-se na cama. As olheiras eram só um reflexo do quão exausta estava nos últimos tempos. Mas não importava, agora. Finalmente poderia compensar um mínimo de todo aquele desgaste. Apenas uma questão de abdicar da consciência. Desligar.

Não que fosse tão fácil, claro. Murphy existia e, dessa vez, lhe soprava uma conveniente rima. Num impulso inicial, tentou guardá-la na memória e rolar de lado. Em vão. A inspiração era persistente, Ela, por sua vez, podia até ser teimosa, mas não boba. Procurou pelo palm, repetindo as palavras mentalmente. Quase um mantra, que precisava ser registrado com urgência. Aparelho alcançado, anotou os protoversos que lhe tiraram o sossego. Pronto. Paz, afinal. Deitou-se e tentou esquecer o que fosse.

Isso até que um terceiro verso veio. E não é que o biltre combinava com os outros? Foi em busca de sua traquitana inseparável e gravou o insolente. No ensejo, fez um ligeiro ajuste em um dos outros. Observou, testou palavras, brincou com a ordem. Gostou. Práticos e sonoros, justo como deveriam ser. Breves, com pausas precisas e bem marcadas. Era a impressão de ritmo. Do seu ritmo. Afinal, sua própria vida era permeada por essa velocidade constante. Era célere por excelência, fora os momentos em que se permitia apenas estar.

Havia também a música. A cadência de suas obras não estava tão distante da antiga paixão. A escrita era como uma outra forma de lidar com a pulsação firme, a batida clara. Agora, porém, as composições eram suas. E não deixava de sentir certo orgulho por isso. Entre perspectivas de tempos passados e fatos, sentia-se mais satisfeita consigo mesma do que esperava. Faltava-lhe muito, ainda, mas suas conquistas eram inquestionáveis. Tinha provas mais que concretas. Mais que isso, até: tinha testemunhas.

O primeiro bocejo veio com a terceira estrofe pronta. Releu e concluiu que valia a pena. Investiria naquele poema, como vinha fazendo com tantos outros. Persistência e lapidação. A estratégia vinha se mostrando extremamente funcional. E não era apenas com rimas e métrica.

Deixou o palm de lado, voltando a relaxar o corpo sobre o colchão macio. Com a inspiração finalmente tratada, esperava conseguir dormir. Precisava do descanso para o dia cheio que viria. Faculdade, estágio, conduções e, por que não, poesia. Agora, a sua própria.

1 Comentários:

Blogger Paty disse:

Sabe, maninha, esse texto me deixou besta. Embasbacada, boquiaberta, basbaque. Podia gastar vários adjetivos tentando descrever a minha reação, sem sucesso. Porque além de narrar com maestria o meu processo criativo (vaquinha! :D) e ter o meu estilo (“recônditos”, “biltre”, a citação à Lei de Murphy, as frases curtas e por aí vai), ele me tocou por um outro motivo.

Pelo fato de ter captado por um viés otimista o momento um tanto complicado pelo qual venho passando. E que, sem você e as Trovadoras, certamente seria muito mais complicado. E fez isso com um carinho que transborda a cada linha. Acertou em cheio, especialmente quando associa o ritmo dos poemas a antiga paixão pela música. Ou quando mostra a possibilidade da poesia mesmo no dia-a-dia atribulado. Um texto que me deixa com um sorriso bobo no rosto a cada leitura. E deveras feliz com a homenagem.

Obrigada maninha! Amo você todo dia! Espero que você ainda testemunhe muitas conquistas, e as registre em palavras tão belas quanto estas... :)

P.S.: “protoversos” definitivamente é algo que eu escreveria!

4/09/2006 6:14 PM  

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