13.5.06

Resposta da Aline ao Desafio XI

"Enquanto existir um homem vai existir um puteiro." Era com essa frase que Eliseu Gomes Carvalho, o Gomes, declarava terminadas as noites nas Termas de Afrodite, pequeno estabelecimento de moral duvidosa na periferia da cidade. Naquela sexta-feira 13 de maio, no entanto, a rotina do bordel seria bruscamente alterada.

Gomes era a imagem típica do cafetão. Cinqüenta e três anos, gordo, calvo e rude, acreditava encontrar a felicidade plena com carteado, cachaça e mulheres. Nada mais natural que ter abandonado o emprego burocrático como funcionário público e lançado-se ao submundo da prostituição, sete anos antes. Chegara mesmo a fazer uma pequena fortuna e arregimentar um exército de meninas, mas a inaptidão em funções administrativas somada às pesadas dívidas do jogo minguaram os luxos. Na fatídica sexta-feira, contava com um sobrado caindo aos pedaços e doze garotas de programa, dentre elas duas menores de idade e Creuza, a mulata alta com quem mantinha relacionamento de tendências sadomasoquistas.

Por volta das onze e meia, havia um movimento considerável no local: seis homens já desfrutavam da bebida e dos serviços oferecidos pelas moças. Em tempos mais prósperos aquele número seria considerado ridículo, mas a recessão afastava a freguesia. Além disso, duas outras casas de prostituição das redondezas haviam sido atacadas naquele mês, sempre com o mesmo resultado - a morte de todos os indivíduos do sexo masculino.

Naquela noite, os seis homens ali presentes, por valentia ou imprudência, não demonstravam qualquer preocupação enquanto liqüidavam com o estoque de cervejas do bar ou divertiam-se com as mulheres pelos cantos da casa. Por isso mesmo, não estavam preparados quando, às vinte para a meia-noite, uma figura mascarada entrou no claustrofóbico salão do primeiro andar.

Não há consenso entre as testemunhas quanto à aparência do recém-chegado. Algumas afirmam que tinha cabelos pretos, curtos e lisos; outras acreditam que suas madeixas castanhas iam até a cintura. J., que assistira a toda a cena escondida atrás do balcão do bar, insiste que não haveria como saber qualquer coisa sobre cabelos, visto que a máscara estava presa a uma malha preta que cobria toda a cabeça. Mas todas concordam que era um homem baixo, magro, de pontaria espetacular e vestido de preto da cabeça aos pés, exceto por uma máscara branca de rosto inteiro, facilmente encontrada à venda em mercados populares.

Logo ao entrar, o estranho deu um rápido e seco "boa noite" a J. e à outra menor de idade, C., que folheava um jornalzinho de igreja num canto vazio da sala. Depois disso, voltou-se para a mesa ao centro, onde quatro clientes jogavam pôquer. Já bastante alcoolizados, um deles com uma mulher no colo, nenhum poderia ter reagido rapidamente quando o mascarado sacou o revólver de dentro do sobretudo.

De costas para a entrada do sobrado, o senhor bem-vestido foi a primeira vítima da noite, seu corpo caindo sobre a mesa com um buraco no crânio. O barulho do tiro e o sangue do homem se espalhando sobre as cartas foram mais do que suficientes para dar início à gritaria. As mulheres, acostumadas com desentendimentos entre clientes, trataram de se esconder atrás de sofás e dentro de banheiros. Os outros três homens na mesa de pôquer mal tiveram tempo de se levantar: todos foram abatidos onde estavam com tiros na cabeça e pescoço. Um quinto rapaz surgiu do quartinho adjacente à sala, segurando uma pequena pistola com uma das mãos e o cós da calça com a outra; a dificuldade de movimentação rendeu-lhe uma morte no mínimo patética, não muito melhor que a do último freguês, baleado nas costas enquanto tentava se esgueirar em direção à saída, completamente nu.

Sereno, sem demonstrar qualquer emoção, a figura mascarada perguntou a J. se ainda haviam fregueses no estabelecimento. Enquanto recebia a resposta negativa, recarregou a arma e berrou para a escada que levava ao segundo andar: "Tragam-me o Gomes."

Nem seria preciso o grito: o cafetão já vinha descendo os degraus, manejando afobado um revólver calibre 22 com problemas no gatilho. Tentou atirar três vezes na direção do assassino, mas suas mãos tremiam demais e os gritos de Creuza, que vinha logo atrás dele, o perturbavam. Um dos tiros atingiu de raspão o ombro do alvo, mas foi o mais próximo que chegou. Sem se abalar, o mascarado atirou nas mãos de Gomes, desarmando-o, e em seu joelho esquerdo, fazendo-o cair. Creuza pretendia lançar-se junto ao amante, mas as outras mulheres, com muita luta, conseguiram detê-la.

Gomes, urinando nas próprias calças, ainda teve tempo de questionar os motivos do assassino. Este apenas riu baixo, rosnou "um puteiro a menos, homem", e atirou à queima-roupa entre os olhos do cafetão. Creuza gritou, mas antes que pudesse se desvencilhar das colegas, o mascarado já havia sumido pela rua, segurando o ombro ferido.

Depois deste episódio, foram poucas as mulheres que se libertaram da prostituição. Arrasada com a morte de Gomes, Creuza se deixou afundar nas drogas, morrendo sete meses depois por overdose de cocaína. A menor C. buscou refúgio na comunidade evangélica da região, e acredita que o misterioso matador tenha sido enviado por Deus para mostrar que seu caminho estava errado. As outras dez, no entanto, seguiram a mesma vida de antes em outros prostíbulos, ou de forma independente, nas ruas. E todas, sem exceção, aguardam dia após dia notícias do mascarado - ou a chegada de um novo justiceiro que possa mudar seus destinos.

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