26.8.06

Resposta da Mônica ao Desafio XIII

Tipo de Texto: Carta
Tema: Uma socialite perde todo o seu dinheiro e vai morar em Ramos
Rio de Janeiro, 21 de agosto de 2006
A quem interessar,

Não sei porque tive vontade de escrever. Acho que é nas horas em que o ser humano se sente mais sozinho que essa vontade vem, sorrateira, e toma conta de todos os espaços. Estou sozinha agora, mais do que nunca.

Quando eu era menina, mamãe dizia que eu era sua princesa. E realmente era. Eu tinha todas as barbies com que qualquer garota da minha idade gostaria de brincar. Eu viajava para a Disney, e me lembro até hoje da sensação maravilhosa que tive quando tirei uma foto com o Mickey! Eu tinha seis anos, e nenhum senso de ridículo. Acho que essa lembrança é a única capaz de me fazer sorrir nesse momento, pensando em como crescer é difícil...engraçado, quando somos crianças brincamos de casinha e não vemos a hora de ser gente grande, usar salto alto e batom. Eu pegava todos os saltos da minha mãe, saltos que valiam alguns mil dólares, e mamãe ria de mim. Dizia ao meu pai que eu seria modelo...e eu ria com aquele riso solto de criança, aquela gargalhada gostosa que é expressão da verdadeira felicidade.

Eu sempre tive muitas amigas de infância, mas nenhuma delas de carne e osso. Papai viajava muito, e, de onde quer que ele vinha, ele trazia uma boneca para mim. Era uma verdadeira torre de babel, e eu era mãe de todas elas. Não lembro dos nomes agora, mas cada uma tinha o seu. e todas elas dormiam comigo, e me faziam companhia todos os dias. Um dia perguntei para mamãe porque eu não podia brincar com outras crianças. Ela me respondeu que eu tinha muitas bonecas, e que podia falar com elas, contar meus segredos. As outras crianças não eram boas companhias para mim, eu era superior e tudo o mais. E eu era tão jovem que não entendi que isso faria toda a diferença.

Veio a adolescência. Quando eu tinha 13 anos, ganhei meu primeiro notebook. Era um modelo super moderno, que papai trouxe do Japão para mim. Me lembro perfeitamente que exibi para todas as meninas do colégio, e elas morreram de inveja. Todas queriam ser minhas amigas, porque eu era a mais rica. Minha festa de quinze anos foi a maior de todas as festas da sociedade, e eu adorava isso, adorava tudo o que o dinheiro podia fazer para me tornar a mais importante da escola. Esse foi o último presente que papai me deu. Morreu em um acidente de avião, em uma das muitas viagens a negócios.

Mamãe enlouqueceu. Passou os três primeiros anos fechada no quarto, ora chorando, ora simplesmente olhando para não sei onde. Tentei reanimá-la, fiz todos os esforços para isso, mas ela parecia não me ver. Nesse momento eu deixei de existir para ela. Nunca mais se interessou por mim, no que eu fazia. Justamente no momento da minha vida que eu mais precisava, ela me abandonou. Sempre a culpei por isso. Hoje, nesse momento, eu a entendo perfeitamente. Ela foi mandada para uma clínica. Não saiu mais de lá. Seria esse destino melhor ou pior do que o meu?

Tomei posse de todo o dinheiro. Comecei a frequentar a high society, sempre cercada de luxo e riqueza. Todos gostavam de mim, as mulheres me invejavam e os homens me queriam. Eu era tão inocente que não percebia que o que eles realmente desejavam era o meu dinheiro. Me deixava enganar fácil, pelos elogios e pelos “querida” para cá, “querida” para lá.

Viajei, comprei, gastei, joguei. Assinei notas promissórias. Aos 21 anos, eu já era viciada em jogo e em tudo o que poderia aumentar minha fortuna. A sociedade prosperava, e as minhas empresas não iam bem. Eu tinha que acompanhar a evolução, não podia ser deixada para trás. Senão, quem me amaria? Eu mesma nunca fui capaz disso...

E foi aí que me envolvi com ele. Mas não quero falar sobre isso. Tudo o que te interessa saber é que ele arruinou a minha vida. Roubou todo o restante do dinheiro que eu tinha. Me despejou da minha casa, da casa dos meus pais. Deixou meu coração e minhas contas bancárias completamente vazias. E é tudo.

Isso já faz dois meses. Vaguei por muitos lugares, passei fome. Estou aqui em Ramos há alguns dias, morando nessa casa de papelão que já encontrei abandonada. Encontro todos os dias as pessoas que mamãe dizia serem inferiores a mim, e não suporto vê-las felizes, sem ter sequer metade do que eu tive na vida. Não consigo dormir com o barulho do trem que passa pela estação, transportando todos os dias pessoas que acordam cedo para trabalhar. Elas chegam exaustas em casa, mas podem abraçar seus filhos e dar-lhes de presente a bala que compraram, pensando em seu sorriso. Não suporto o barulho dos carros, pensando que um dia eu poderia ter comprado mil deles. Todos me abandonaram, ninguém me ofereceu ajuda quando eu mais precisava. Ninguém me nota na rua. As pessoas viram o rosto quando me vêem. Estou sozinha.

Minha existência já não interessa nem a mim mesma. Sei que você, que está lendo essa carta nesse reles papel de pão, pode pensar que cometi um ato de covardia, mas quero dizer que tomei essa iniciativa de livre e espontânea vontade. Não suporto mais viver nesse mundo, e espero encontrar algum lugar em que minha alma se sinta reconfortada.

Não tenho bens a distribuir para quem quer que seja. Peço somente que eu seja enterrada ao lado do meu pai. Quero que me vistam de forma apropriada, e que a minha coleção de bonecas – a única coisa que consegui salvar antes que ele me expulsasse de casa – seja doada para uma instituição de caridade. Quanto à foto que está presa a faca em meu corpo, quero ser enterrada com ela. Essa fotografia do Mickey é talvez a melhor lembrança de uma época em que eu me sentia amada e feliz.

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse:

oi Mônica, li seu texto! Ontem, na casa da Pri, vi o tema do seu desafio e fiquei com a maior vontade de ler! Mas ontem não deu, li hoje...

O seu tema era escrever sobre uma socialite que perde tudo e vai morar em Ramos... mas eu acho que o que a Priscila tava pensando quando sugeriu essa premissa era que falassem sobre as diferenças de pensamento entre Zona Sul e Subúrbio. Por isso eu fiquei com vontade de ler seu texto, pq seria mto interessante. Só que vc fez uma outra interpretação, falando só sobre a trajetória dela. Ficou legal, foi uma maneira diferente de abordar.

P.s.: só achei que ficou forçado ela ir morar numa caixa de papelão... e em Ramos! Ora, há mais mendigos em Copacabana que em Ramos! Por isso que eu acho que o mote era falar da mentalidade suburbana em si quando a Pri sugeriu Ramos...

8/28/2006 10:25 AM  
Blogger MôNiCa disse:

Olá, Nathália, tudo bem?
Antes de tudo, valeu por ter comentado meu txt! Mto obrigada!!!
Bem, na verdade, a primeira idéia q eu tive foi fazer uma parada mais voltada p/ a comédia. Mas, como a idéia não deu frutos, pensei nessa aí. Eu reconheço q não foi dos melhores não (inclusive estava comentando isso hj com as meninas...rsrs). Mas, esse txt tem a vantagem de fugir do q a Pri pensou para o tema, o q o torna até surpreendente de certa forma.
Bjs, moça!!! Visite-nos sempre!!!

8/28/2006 7:51 PM  
Anonymous Anônimo disse:

é, procede o que vc disse...

quem sabe também foi uma dica pra vc tentar mais a comédia. Começa com um treino como esse e acaba conseguindo fazer algo legal.

Força, aí...

Meninas, como diz o orkut, stay beautiful! Fui...

P.S.: Esses textos de terror eu não vou ler não, tá?? Tenho medinho.... rsssss

8/29/2006 11:58 AM  

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