21.9.06

Resposta da Priscila ao Desafio XV

Olá amigo,
Tudo bom com você? Soube que nos últimos dias anda meio preocupado, pra baixo. Não fica assim. Nada do que você fez ou faz vai interferir na rotina da tua vida, e muito menos na nossa amizade. Se quiser, pode me ligar agora mesmo pra desabafar. Eu estou livre hoje, até a hora do almoço, e amanhã o dia inteiro. A gente conversa, você lamenta seus problemas um pouquinho, a gente marca uma cachacinha na Lapa com o pessoal do trabalho e depois você volta a ser aquele cara animadão de sempre, que faz tanta falta.

Como que tá o teu lado pessoal? Eu não sou muito chegado em fofocas, mas fiquei sabendo de uns lances esquisitos que andaram acontecendo contigo, cara. Pra mim foi horrível ver sua degradação física e espiritual e não poder fazer nada. Quando você parou de rir das nossas piadas, se isolou no seu esconderijo lá do trabalho e só saía pra ir ao banheiro, aquilo foi o fim. Sem querer te diminuir, mas você, Arnoldo, era nosso bobo da corte mais legal. Nessa semana agora a gente chegou até a te escutar soluçando algumas vezes, tentando esconder o choro. A gente se sensibilizou muito, e isso é chato, porque se sensibilizar é coisa de boiola.

Tô escrevendo essa carta porque quero te contar um segredo. Eu descobri o teu problema, rapaz. Calma, calma, não fica nervoso, tá tudo tranqüilo entre a gente. A minha motivação partiu da nossa amizade. Na verdade, nem foi tão difícil assim descobrir. A coisa toda aconteceu por uma grande coincidência, e aí a situação foi se desenrolando, desenrolando, complicando, e eu vi que era meu dever simplificar toda a questão. Isso que eu fiz.

Agora deixa eu te explicar o outro lado da história. Minha esposa era uma pessoa muito complicada. Eu não sei se o problema era com ela ou comigo, até hoje realmente não sei, mas ela não admirava meu jeito metódico de ser, que é parte da minha personalidade e ponto final, eu nunca vou mudar. Antes do casamento ela até tolerava meu jeitinho de não aceitar uma agulha fora do lugar sem cobrar os devidos esclarecimentos, mas depois começou a reprovar. Viu que o meu rico dinheirinho não ia passar pra mão dela assim tão fácil, então quis arranjar recursos alternativos. Olhou pro lado e viu você. O resto da história nós dois já sabemos. Não quero perder tempo explicando como fiz pra saber de tudo. É inútil, a esta altura do campeonato. Você vai entender.

Repito, Arnoldinho, não precisa ficar nervoso. Eu já te perdoei. Quando eu soube da história, minha vontade era a de explodir tudo que aparecesse pela minha frente, tornar poeira sua cabeça e a de todos que cruzassem meu caminho. Eu ia virar uma sucursal carioca da Al Qaeda, amigão. Esse desejo passou bem rápido, logo que contei até dez. Não precisei me esforçar tanto.

Trago um presente dentro dessa caixinha vermelha. Você vai gostar. Os boêmios dizem que basta este presentinho para que todas as flores surjam em seus caminhos, e os céus se transformem em espetáculos de luzes coloridas. Até os pagodeiros, com versos obviamente menos felizes, cantam o conteúdo desta caixinha em refrões pouco ritmados. Creio que, pela fama do presente, seu valor sempre existiu. Abra-o agora, e guarde numa caixa com formol, para não estragar. Quando eu peguei nele, ainda batendo, e então o cortei do organismo quente, latejante, a primeira imagem que me veio em mente foi a sua. Ele esfriou pertencendo a você, Arnoldinho. Foi muito bonito.

Os outros restos do corpo, caso interesse, estarão até amanhã no banheiro do meu apartamento. Depois disso, os enterrarei no quintal ao lado da casa 6, e plantarei uma macieira em cima. Daqui a alguns anos haverá maçãs com o recheio da minha esposa, nem que sejam só as moléculas. Chamarei você quando a árvore der frutos. Não sou ciumento.

P.S.: o Roberto ta me cobrando a planilha com os indicadores de desenvolvimento bimestral há décadas. Eu dependo ainda dos dados do seu departamento. Por favor, me ligue para passar estas informações o mais rápido possível.

Atenciosamente,
Seu melhor amigo

1 Comentários:

Blogger L. disse:

Olha, minha filha... Que baita surpresa! XD

Antes de seguir com o comentário, eu devo admitir que a sua resposta era uma das que mais me intrigava; afinal de contas, era uma temática pesada vs. Super Miss Pahia, nossa criatura cor-de-rosa com um funil.

E não é que foi?

Te juro, mulher: acho esse texto uma pérola sua - delícia de humor negro. Carregado como deveria ser, e divertidíssimo, sem perder a sua cara.

Foi lindo. XD

9/25/2006 6:30 PM  

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