13.9.06

Resposta da Patrícia ao Desafio XV

Enjoy the silence

Amava as palavras mais do que tudo. Não porque elas fossem seu modo de vida. Nunca ligou para a fama, as festas, as companhias e o dinheiro. Não era esse o motivo da atração. Era a textura das palavras, e a forma pela qual elas se agrupavam lindamente para expressar idéias, sentimentos, sensações. Sim, vocábulos têm forma, cor e personalidade. Contudo, escolher os verbetes de seus pequenos tratados literários era apenas parte da diversão. Havia também o deleite particular em conferir-lhes sentido. Coesão, coerência. Tecer o fio da trama narrativa. Refazer o percurso ancestral de contar histórias.

Mas agora elas fugiam, caçoavam de seus esforços e não se davam ao trabalho de aparecer na tela do computador. Pois é. Nem ao menos lhe restava o romantismo do papel em branco. Não havia pena a quem culpar, ou mesmo falta de tinta. Apenas o vácuo verbal. E também adverbial. Substantivo. E tantos mais.

É como se elas jamais tivessem percorrido o caminho que se inicia no cérebro e termina nas pontas dos dedos. Idéias, essas não lhe faltavam. Tinha várias anotadas, inacabadas. Mas todas se tornavam ridículas no exato instante em que as palavras deslizavam bruxuleantes pelo editor de textos. Suspirou. Afogava-se em um vácuo ágrafo.

Tinha um texto a realizar e não se sentia minimamente à vontade para tal. Conto, crônica, poesia... Tanto fazia, mas nada saía. Era como se a capacidade de tornar idéias em frases não mais existisse. Mais do que abandono, isso era traição!

E traição sabe-se lá com quem. Podia vê-las derretendo-se, languidamente, em outra tela que não a sua. Escrevia em arroubos agora. Tentava botar ordem nas coisas, mas nada acontecia. Não que tivesse o total controle delas, nunca tivera. E esse era um dos fatores que tornavam a literatura tão atrativa: a atuação conjunta e perfeita entre razão e emoção.

Emoção essa que lhe inundava o cerne. Como elas podem ter escolhido outro lugar para pousar? Como iria viver só, depois de ter aprendido a amá-las? Não tinha mais nada na vida, não deixava que nada lhe tirasse a atenção delas. Gostava de se deixar levar, de perder noites de sono, de ter a aura de loucura sã inerente a quem se dedica a elas. Só a elas e a mais nada, a mais ninguém.

Então era isso, era guerra. Tanta dedicação pra nada! Fez questão de imprimir o mal-ajambrado escrito. Eram cerca de seis páginas. Arrancou-as, uma a uma, da impressora, antes mesmo que o aparelho as entregasse. Amassou-as furiosamente, sentindo o papel ainda quente, e a tinta a sujar-lhe as mãos.

Não, não era o melhor a fazer. Alguém poderia encontrar a prova viva da traição, do desrespeito, desse vitupério. Rasgou, picou tudo em pedaços de ódio. Ainda assim, os restos poderiam ser encontrados e remontados. Não permitiria tal ofensa. Foi à cozinha e pegou um fósforo. Em instantes, viu o branco virar preto e depois cinzas. Cremaram-se as malfadadas.

Era o divórcio. Mais do que isso: era a viuvez. Agora, era aprender a apreciar o silêncio.

4 Comentários:

Anonymous Anônimo disse:

"Picareta" é uma palavra feia, sabe? É essa palavra que você tem q rasgar, abolir do seu dicionário quando se referir aos seus textos, heheheheh

É você aí. E conseguir se despir da vergonha de falar de si mesmo em linhas expostas em redes é um puta mérito.

9/14/2006 11:03 AM  
Anonymous Anônimo disse:

Foi mal, Paty. Quem escreveu isso aí em cima fui eu, a Mari

9/14/2006 11:04 AM  
Anonymous Anônimo disse:

ahahhaha a Mari já está escaldada pelo meu exemplo "anônimo" anterior...

Ai, não li o texto inteiro, fiquei com a música na cabeça, que por sinal, adooooooooooooorooooo: "All I ever wanted, all I ever needed is here in my arms... Words are very unecessary, they can only do harm..."

9/14/2006 1:30 PM  
Blogger Aline Brandão disse:

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9/14/2006 5:06 PM  

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