29.5.06

Resposta da Maria ao Desafio XI

Desde que me separei da Leila -quer dizer, que ela se separou de mim-, esta definitivamente é a situação mais constrangedora que eu pensei que poderia viver. Pensei, maneira de dizer, que eu nunca realmente cogitei que algo semelhante um dia pudesse mesmo acontecer. Encontrá-la no supermercado com a nova... Companheira, pesando tomate e conferindo a validade do iogurte, abastecendo o lar de pão-delas-de-cada-dia como um casal qualquer, ah, isso já era para mim um quiosque do inferno. Cumprimentá-las na fila do caixa, então, era uma filial do inferno –principalmente se a Leila vinha com uma daquelas insinuações de ex-mulher, ao ver meu carrinho cheio de latas e congelados. Mas isso aqui, não, nem nos meus piores pesadelos: cheguei à matriz.

Não sei por que ela me olha com esse riso boboca de quem vê um menino de quinze anos mijar as calças. Bolas, então ela também não está aqui? Está atrás da mesma coisa que eu. Com a diferença de que eu sou homem! Pombas, sou mais familiar desse lugar do que jamais fui da Leila! E digo mais: todos aqui –vagabundos, adolescentes, respeitáveis pais de família, todo mundo- têm algo em comum que os une agora: discrição. Mas essa democracia do crime, essa cumplicidade só serve pra quem faz parte do código, e ela simplesmente não faz! É mulher! Mulher aqui é pra exibir, não pra esconder! Por que, então, o olhar dela me achata como um caruncho, se eu é que estou por cima? Ou deveria estar...

Ela levantou. Não acredito, ela não pode estar vindo até aqui me provocar... Olha só, os homens todos olhando pra bunda dela, que baixeza... Devem estar achando que ela é funcionária da casa... Com um decote desse, se eu não a conhecesse também achava. Cadê a mulher dela pra defendê-la agora? Aposto que quando os peões de obra mexem com ela na rua, ela sente a minha falta. Será que os homens estão mesmo achando que ela é do ramo? Nah, não mesmo. Homem sabe reconhecer uma vagabunda quando vê uma, e a Leila tem classe, passa muito longe. Devem estar é achando gozado. Não é todo dia que a gente, na esgueira do nosso happy-hour proibido, esbarra com uma mulher tão bonita e distinta procurando esse tipo de diversão.

Ela se posta diante de mim com a empáfia de uma estátua da liberdade em miniatura. Ela é quem chega, mas sua cara cínica já me diz tanto que posso até tomá-la como cumprimento. Acho que serei obrigado a quebrar eu mesmo o silêncio.

- Oi, Leila. –coisa mais estúpida de se dizer pra sua ex-mulher que te encontra num bordel.

- Ora, vejam só. Luís Carlos, quem diria... -ela alarga o sorriso como se esperasse o meu retruque. Melhor, como se pedisse para que eu retrucasse...?

- Parece que não sou o único, Leila.

- Pois sim. –ela abriu os braços, quase abraçando o ambiente. Essa noite é muito especial pra mim. Que bom que você veio vê-la.

Ela puxa uma cadeira e senta-se à minha mesa, sem perguntar se pode. Especial? Que diabo vai acontecer? Uma festa de debutante? Seria seu debut na profissão? Será que ela se decepcionou com a esposa e resolveu provocá-la? Aliás, falando nela, eu não a vi por aqui, aquela gueixa sapatona... Será que se separaram?

- É. Parece que a sua vida não anda muito divertida, não é? –ela falou, sem que ninguém lhe pedisse. Grande novidade, Leila, estou num puteiro. Por que não coloca na primeira página de amanhã? “Luís Carlos Bravo passa a noite num puteiro”, que puta manchete...

- Até anda. Mas é bom fazer algo diferente de vez em quando, voltar às origens... Fazer uma brincadeira com os amigos do escritório –eu rio amarelo (Que espécie de desculpa foi essa, seu paspalho? Óbvio que ela não comprou! Quantos amigos ela está vendo aqui? Além de ermitão e rejeitado, ainda vai achar que você está louco, que voltou a ter amigos imaginários! Bom, já era: a melhor defesa é o ataque:). A sua, pelo visto, é que anda meio xoxa...

- Ah, boa tentativa, Luís Carlos. –ela se recosta na cadeira, puxando um cigarro e abrindo o Zippo com o dedão esquerdo. Keiko vai dançar no queijo hoje.

Que é isso? Rebolar no baixo meretrício virou manifestação cultural, feito aquelas coisas esquisitas que ela chamava de vídeo-arte? Depois da biodanza, a “putadanza”?

- Ah, ela dança aqui, é?

- Nem sempre. É sua primeira vez aqui. –ela bate as cinzas e se inclina sobre a mesa, como se fosse minha amiguinha de segredos. Sabe, essa sempre foi uma fantasia nossa. Já fizemos muita coisa, mas nada substituía isso. Então, entramos num acordo com um... Empresário do ramo de entretenimento e agenciamento, por assim dizer, pra Keiko poder dançar aqui.

- Ahhh, que legal... –respondo sem muito entusiasmo, só tentando pensar em quem mais senão a Leila poderia chamar de “empresário do ramo de entretenimento e agenciamento” um chulo cafetão.

Excêntricas. Sempre soube que a Leila era meio doidinha... Um pouco liberal, mas principalmente uma doçura doidinha. Essa madame-butterfly de araque, no entanto, transformou a Leila... Olha só, se misturando com cafetão, com prostituta... Se bobear, com drogado, com traficante, com assaltante, que nojo! Pobre Leilinha... Aposto que a idéia foi daquela jaspion-macho. Se ela me desse ouvidos...

- E você, Luís Carlos? Trabalhando muito?

Algo acontece com as luzes –bem na hora, antes que ela comece a falar que imagina a bagunça que seja meu apartamento. Parece que o show das... Meninas... Vai começar. Leila imediatamente esquece que está me provocando e se vira para o queijo, à direita do palco. Sigo o seu olhar e, lá no alto, identifico os quadris enormes e os peitinhos minguados da sapatona nipônica. A Leila parece fascinada com aquele tribufu, de meias arrastão, sandálias de strass, calcinha de couro, boa roxo –e mais nada! Olha os olhinhos dela como brilham... Desavergonhada...

A tal de Keiko começa a se rebolar. Tem jeito pra coisa, heim? Devia complementar a renda da casa assim... Sem nenhum pudor, olhando pra Leila toda manhosa quando os homens vêm e deixam dinheiro na sua calcinha... Ela ainda faz firula, olha! Faz carinhinho no rosto, arranha, e empurra de leve com o pé no peito dos caras... E a Leila gosta... Que nada, deve estar se mordendo de ciúme. Ó, tá vendo, já levantou: tá indo lá acabar com essa pataquada. Aposto que vão se separar. A Leila nunca ia gostar duma modernidade dessa... Sempre foi mulher de papai-e-mamãe... Sabia que isso não era coisa dela.

A Leila, vai até o queijo e estende uma nota pra godzilla lésbica. A talzinha se abaixa de pernas abertas, se aproxima da Leila... Faz alguma coisa, Leila! Não, não quero ver isso, não... Droga... Tão se beijando... Aliás, tão se emaranhando. Céus, como elas fazem isso com as pernas? Ela nunca me beijou assim... Quer saber, pra mim chega. A noite já foi longa bastante. Hora de levantar, pagar a conta e sumir do mapa.

É, agora é voltar pra casa... O cheiro de cigarro daquele lugar ficou impregnado na minha roupa. No banco do carona, não tem nem uma menininha me fazendo companhia; não existe nenhuma expectativa de fazer eu sexo pela próxima década. Até porque, depois daquela cena, meu estoque de libido foi pro ralo... Também, melhor assim. Isso aí, vou abrir um pacote de batatas fritas quando chegar em casa, e comer todo sozinho. Vendo meu futebol, tomando uma cerveja geladinha, sem nenhuma mulher pra reclamar que eu seja machista. Que eu não sou machista, que fique bem claro. Só gosto das coisas tradicionais, assim como deus fez.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse:

Que ficou ótimo, sim! Não se pode deixar isso sem comentários.
Adorei a forma com que você descreveu a forma do homem pensar em relação a dançarina tribufu. Parabéns :D

9/26/2006 11:28 PM  

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