15.5.06

Resposta da Mariana ao Desafio XI

Cidade Pseudo-Maravilhosa, quarto dia do quarto mês de um ano qualquer num quarto qualquer


Amor, meu GRANDE Amor,

Nossa, como você é grande! Espaçosa! Não, não, não. Não estou insinuando que você seja uma matrona, longe de mim caluniar a sua exuberância. Mas, você sabe tão bem como todos os outros, o traquejo com as palavras não é bem o meu forte.

Devo dizer também que tenho total consciência da minha falta de tato e cortesia. E é claro que, assim que você tiver contato com as minhas primeiras linhas, começará a perguntar para si mesma o que esse energúmeno que te escreve pensa que é para ousar lhe chamar de seu grande amor. E de espaçosa!?!?!? Um abuso absurdo!

Posso não ser bom com as letras e passar a milhas de distância da categoria de um galanteador iniciante, mas não tenho o hábito de viajar na maionese e nem de me perder no mundo encantado dos psicotrópicos. Isto posto, assumo sem qualquer esboço de vergonha a minha invisível condição de criado-mudo! Um mudo criado que só sonha poder amar e servir a sua luxuosa musa, a cama, rainha una deste quarto de bordel!

Pronto, saiu. Escrevi o que estava guardado na minha garganta inativa. Consegui externar o maior segredo de minha insossa existência. Finalmente meu coração parou de pinicar. Sim, porque o meu amor por você, enquanto morava somente em mim e não havia conquistado o mundo, fazia cócegas, insitindo em ser descoberto. E agora tomei coragem!

Mas, é claro, este sentimento não deve surpreendê-la sobremaneira. Afinal, como diva que é nesse quarto, é certo que possui admiradores mil. Contudo eu, o mudinho insignificante e inexistente que mora ao lado, sou diferente. Por quê? Ora, minha lindinha, a resposta é simples: eu a amo do jeito que realmente é.

Sim, é isso. Ao contrário dos outros habitantes deste quarto - o armário, o espelho, o sofazinho e o puff - eu sou capaz de amar também a sua derrota.

Consigo antever a sua expressão de espanto ao ler a última palavra do parágrafo passado, mas não pense que eu não vi. Pois fui testemunha ocular da sua queda do pedestal, da sua humilhação. Foi assiim, não foi? O amor mecânico dos humanos acontecia mais uma enésima vez sobre você. Empurrando. Entrando e saindo. Te pressionando. Muita pressão em cima de você.

E você cedeu. Caiu. De quatro, sobre suas pernas quebradas, outrora bambas. No chão você estava, acabada, desmontada e inutilizada. Fraca, insustentável.

Para mim, você nunca esteve mais bela. Pois divas ganham um quê de humanidade (o quão paradoxal isso pode ser, né?) com a fragilidade. Deixam de parecer tótens ocos ou camas sem alma e se tornam criaturas de emoções acessíveis. Mesmo para um humilde criado-mudo. Sim, docinho, meu amor começou com a sua vulnerabilidade. Ah, se você soubesse como tive vontade de te amparar e te dizer palavras de consolo ao te ver derrocada em sua queda...

Não posso, você sabe e eu sei. Um mudo criado é apenas um reservatório de sentimentos incapazes de serem oralizados. E, agora que você se recuperou e voltou inabalável ao seu lugar de deusa deste quarto de bordel, menos digno de atenção ainda é o meu coração. Porém, como eu já disse, esse amor me fazia cócegas, exigindo ultrapassar as fronteiras do meu ser e conquistar um mar nunca dantes navegado. Daí, a necessidade de pegar o papel e a caneta guardados na gaveta de baixo e escrever esta carta para você. Você pode rir de mim, me ignorar, achar que eu sou só mais um dos seus muitos apaixonados, com a vantagem de ser o mais clichê de todos.

Pode ser tudo isso mesmo, ou até mais um pouco, ou menos. Mas quero que saiba, florzinha, que quartos de bordel irão e virão, mas o mudinho aqui nunca vai sair do seu lado.


Com amor,

Seu Criado.

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