9.2.07

Resposta da Maria ao desafio XVIII

E O Palhaço, O Que É Que É?

Respeitável público! Hoje não tem marmelada, hoje não tem goiabada! Não se comerá fogo, nem se dormirá em camas de espinhos; não se mergulhará das alturas, nem se andará na corda. Irão se unir o domador e o leão em seu pesar; o rato e o elefante, condoídos. Hoje o espetáculo é do avesso, e ainda assim muito valoroso será. Hoje rir-se-á ao contrário, pois se foi, minha gente! Se foi para sempre o palhaço! Para o céu dos palhaços, para o diabo que o carregou, ou para onde quer que se possa assim supor.

Hoje o circo não mais terá o triste lírico a trotar sobre o cavalo de pau até o centro do picadeiro; chorar em maquiagem as lágrimas de amor de verdade que nos olhos se amuavam; blasfemar com a inocência de um daqueles que deus protege no escuro; arrancar ao público, em espasmos de prazer animal, as vilezas do sarcasmo e do obscurantismo. Morreu! Morreu o que com o circo vinha, com o circo ia, e levava na algibeira do paletó colorido, um girassol, um apito, e as memórias infantis de medo e alegria. Morreu o palhaço, o louco alforriado, o ladrão de mulher!

Hoje a cidade dá adeus ao caminhar ébrio de amor do fanfarrão até o casario e pela cidade; à maquiagem chorosa que mimetizava, na dor do dia, as faces ansiosas do amante que corria na noite; às palavras de poeta que tecia nas vielas, galpões e sacristias; ao choro e ao riso, nervosos e eufóricos, arrancados, em ondas de esperança e apreensão. Morreu! Morreu o que com o bando viera, com o bando iria, e que levava na algibeira do paletó colorido, uma rosa, uma flauta e as promessas mais doces de uma senhorinha. Morreu o bufão, o desavergonhado, o vagabundo, o namorado!

Hoje a Colombina há de chorar por seu Arlequim, que jaz sob o estrelado céu de lona com a rosa engastada no peito, que lhe plantou, à bala, o invejoso Pierrô! Chora, Colombina, que hoje aquele que veio se foi, não voltará, nem poderá levar-te com ele! Chora, circo, que hoje a alegria do truão lhe falta e a alma da tua graça definha! Chora tu também, palhaço, amante calado, que terás aprisionado teu corpo outrora mambembe! Chora, que a tua amada há de viver eternamente com teu algoz, pela vida rendendo-te a paixão e a lembrança, mas deitando-se com ele todos os dias para que ele se refestele naquela que foi tua!

O espetáculo é triste, respeitável público! O espetáculo tem palhaço adormecido, perecido de amor! Dorme, palhaço! Dorme sob o dossel da terra, que será também teu picadeiro, teu céu de lona para sempre estrelado. Leva na algibeira do paletó ruço o cravo, a gaita, e a medalhinha de Fátima num lenço perfumado de tua dama. Deixa-te ficar para sempre ao pé de tua enamorada, na cidade para onde vieste e de onde jamais sairás. E o espetáculo não pode parar!

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